1 Está de parabéns o Presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, pela excelente cerimónia de celebração dos 48 anos do 25 de Novembro que promoveu no passado sábado no salão nobre dos Paços do Concelho. “Celebramos Novembro precisamente porque somos democratas”, disse muito bem Carlos Moedas.

Juntamente com o general Rocha Viera, ambos recordaram nomes de democratas com diferentes e plurais sensibilidades que tiveram papel crucial no 25 de Novembro — como Mário Soares, Ramalho Eanes, Jaime Neves ou Melo Antunes.

2Neste mesmo sábado, António Barreto escreveu na sua crónica semanal no jornal Público mais um texto memorável, desta feita também sobre o 25 de Novembro e o 25 de Abril. Para sublinhar a continuidade democrática pluralista entre ambas as datas, Barreto intitulou o seu texto de forma lapidar: “25”.

O texto merece ser lido – e relido, em rigor estudado – na sua totalidade. Limito-me aqui a citar a conclusão:

“Em Portugal, em 1975, Novembro salvou Abril. Salvou a liberdade e a democracia. Permitiu a Constituição e as eleições. Prometeu o pluralismo, que garantiu. Não vingou, não matou, não prendeu, nem proibiu os responsáveis pela deriva autoritária e revolucionária. Sem Novembro, teríamos talvez a ditadura ou uma guerra civil. Mas não a liberdade.”

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3 Como muito certeiramente recorda António Barreto, os insurgentes revolucionários que (felizmente) perderam no 25 de Novembro reclamavam uma “democracia avançada” (“eufemismo para ditadura”, recorda Barreto) – que contrapunham à democracia pluralista parlamentar. a que chamavam desdenhosamente “burguesa”, ou “elitista”.

É importante recordar estes dois conceitos de democracia – populista vs. pluralista – a mais do que um título. No plano puramente intelectual, trata-se de um dualismo que emergiu na era moderna – a era democrática, como muito certeiramente observou Alexis de Tocqueville. Em nome da comum expressão “democracia”, ou governo do povo ou de todos, por contraste com governo de um ou de alguns, emergiram no século XVIII na Europa dois conceitos de democracia: um entendimento liberal-pluralista de democracia e um entendimento despótico-monista.

4 Como sublinhou ulteriormente Karl Popper, a democracia liberal pluralista é e tem sido sempre basicamente acerca das regras gerais constitucionais – soberania do Parlamento, fundada na separação de poderes, eleições livres e leais, liberdade de expressão e de associação – que basicamente permitem “mudar de governo sem violência” (without bloodshed, na consagrada expressão de Popper).

O outro conceito de democracia – popular, ou avançada, ou anti-elitista – é apenas outro nome para a ditadura de um grupo, ou de um partido, ou de um chefe (todos em regra supostamente “iluminados” ou “esclarecidos”), em nome do povo – cujos interesses, interpretados de forma monista, eles sempre alegadamente sabem melhor do que a variedade dos representantes partidários eleitos por esse mesmo povo numa democracia parlamentar, “burguesa” ou “elitista”.

5 Cabe aqui recordar que, nos anos de 1975, a versão populista ou monista da democracia era sobretudo frequentada por sectores da esquerda radical ou revolucionária. Eram os crentes dogmáticos na religião secular do marxismo, como lapidarmente os classificou Raymond Aron na sua obra inesquecível O Ópio dos Intelectuais de 1955.

Mas, nos anos 1920-30, na Europa, a versão populista ou monista da democracia não era monopólio da esquerda revolucionária. Era alegremente disputada por uma direita revolucionária e populista que iria dar origem ao despotismo nacional-socialista (“dos trabalhadores alemães” era o nome oficial) de Hitler e ao fascismo “social” de Mussolini.

Com a esquerda revolucionária e populista, esta direita revolucionária e populista partilhava a comum hostilidade revolucionária ao que comumente chamavam de democracia burguesa e elitista. Curiosamente, o seu principal opositor foi o aristocrata Winston Churchill, intransigente defensor da soberania do povo no Parlamento e da liberdade sob a lei.

6 Cabe agora observar que, de forma muito intrigante, estamos agora (ou parece estarmos agora) a observar um renascimento da convergência da esquerda revolucionária-populista e da direita revolucionária-populista contra a democracia pluralista-liberal.

Haverá certamente lugar a um debate sobre os factores que estarão a permitir este renascimento de fações rivalmente anti-pluralistas. Mas por isso mesmo é fundamental recordar a fundamental diferença entre democracia pluralista e populista.