Em Portugal, devido à conjuntura internacional favorável, a maioria dos portugueses tem casa própria, com crédito à habitação de taxa variável, mercê de, na última década, as taxas de juro negativas e os spreads baixos terem permitido um maior endividamento, o mesmo que hoje constitui a maior dor de cabeça das famílias.
Na verdade, era apelativo para os consumidores que então contratualizaram créditos habitação associá-los à taxa variável, a qual refletia o custo de utilização do dinheiro que se pediu emprestado. Não existe nenhum mistério. Esta é a razão que explica que 93% dos contratos de crédito à habitação tenham taxa variável, indexadas à Euribor a três, seis ou doze meses. Não existe qualquer irresponsabilidade dos portugueses, que, se arriscassem, nunca o fariam com as suas próprias habitações, ou da Banca, mas antes o resultado de um contexto que a isso foi propício. Ninguém paga mais quando pode pagar menos.
Desde janeiro de 2022 que os tempos são de mudança, primeiro com as taxas de juro a descolarem da linha vermelha (deixaram de estar negativas), para depois subirem rapidamente e agora a galoparem velozmente em direcção aos 3%.
Em antecipação ao cenário que hoje vivemos, o governo publicou um conjunto de legislação para refrear o impacto económico e financeiro da subida das taxas de juro e inflação. Primeiro o Decreto-Lei nº 57-C/2022, de 6 de setembro, que estabeleceu medidas excecionais de apoio às famílias para mitigar os efeitos da inflação; depois, o Decreto-Lei nº 80º-A/2022, que estabeleceu um conjunto de medidas para mitigar os efeitos do incremento dos indexantes de referência aos contratos de crédito de habitação própria permanente; e, por fim, a alteração à Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2023 considera, no artigo 6º, nº 2 que: “durante o ano de 2023 é permitido o reembolso parcial ou total do valor dos planos-poupança [PPR, PPE e PPR/E] para pagamento de prestações de contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre imóvel destinado a habitação própria e permanente do participante, bem como prestações do crédito à construção ou beneficiação de imóveis para habitação própria e permanente, e entregas a cooperativas de habitação em soluções de habitação própria permanente, sendo dispensadas da obrigação de permanência mínima de cinco anos para mobilização sem a penalização” tal como previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais. Isto significa que, se os portugueses fizerem resgates antecipados dos PPR em 2023, não sofrerão as penalizações previstas.
No cômputo todas elas são medidas meritórias, mas insuficientes. Inevitavelmente o Governo terá de promover mais medidas “ah-hoc” para ajudar as famílias a fazerem frente aos gravíssimos problemas financeiros com que se deparam.
De acordo com o Banco de Portugal, ao longo deste ano, sempre que os contratos de crédito habitação forem objeto de actualização, vamos assistir a momentos críticos para as finanças das famílias. Em fevereiro serão revistos 54% dos contratos de crédito à habitação (indexados à Euribor a três, seis e doze meses) com as suas prestações a sofrerem atualização, depois entre março e maio 31% e entre junho e novembro os restantes 15%. Como se depreende, com a inflação a escalar, a prestação da casa sofrerá uma subida vertiginosa e a vida dos portugueses vai ficar cada vez mais difícil.
As famílias estão asfixiadas e a sua taxa de esforço vai já muito para além dos limites das suas possibilidades. Aquelas que podem, procuram como solução alternativa mudar para uma casa mais pequena e mais barata, para não caírem no incumprimento. As famílias que não têm essa hipótese vêem-se encurralados, com o poder de compra cada vez mais reduzido e no limiar da pobreza. A carga fiscal e a taxa de inflação acabaram com a possibilidade de a classe média se reerguer. Porque está hipotecada e depauperada. E vive hoje numa autêntica roleta russa! Por último, a possibilidade de resgate total dos PPR’s, apesar de ser uma boa medida, porque não penaliza quem já está em situação difícil, traz-me uma preocupação adicional. Durante muitos anos os PPR’s foram o único instrumento de poupança que os portugueses elegeram para reforço da sua reforma, pelo que a sua utilização (ainda que por motivo atendível) pode comprometer uma velhice condigna. Especialmente porque não se sabe o que vai acontecer ao Sistema de Segurança Social – outra hecatombe que ainda nos espera – e que alterações lhe serão introduzidas, à finale, no cálculo da pensão para daqui a 20, 30 ou 40 anos.
Faço um apelo a todos os Governantes: olhem pelo e para o nosso país, identifiquem os problemas estruturais, encontrem e proponham soluções. E parem de fingir. Afinal porquê tanta incerteza? Não podemos continuar a adiar as inadiáveis reformas.
Aí Portugal, só sei que nada sei.