Ainda não foi há muito tempo que, na iminência do encerramento de um teatro, o país entrou em pânico: choveram os protestos, circularam os abaixo-assinados, vociferaram os artistas, pronunciaram-se os políticos e até interveio, in extremis, o chefe de Estado, bombeiro de todos os fogos, até mesmo os naturais.

Com certeza que o teatro é importante para a cultura nacional e, nesse sentido, é compreensível que o Estado incentive a sua prática. Mas não se compreende por que carga de água os portugueses devem financiar, com os seus impostos, certos projectos, que não só são deficitários como manifestamente degradantes.

O belo é um transcendental, segundo São Tomás de Aquino, isto é, a expressão sublimada do ser, da verdade e do bem: algo é belo na medida em que é verdadeiro e bom. Não é arte uma obra que não expresse valores, por muito que a estimem os seus autores ou o público, cuja preferência nem sempre coincide com o que é artisticamente melhor.

Todos têm direito à criação e expressão artística, desde que não ofendam ninguém, como é óbvio. Mas daí não decorre que qualquer manifestação artística tenha que ser subsidiada pelo erário público. Se o autor de um romance não pode pretender que o Estado subsidie a edição, que direito têm às subvenções estatais as companhias de teatro?! Se forem de qualidade as suas representações, com certeza que a crítica e o público corresponderão mas, se não for o caso, porque devem os contribuintes financiar uma actividade que é deficitária, precisamente porque é medíocre?!

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Alguns exemplos da actualidade são mais do que suficientes para ilustrar que não há exagero nesta crítica.

‘The Portuguese’ é um musical que começou a ser preparado em 2015, foi estreado no passado dia 13 no auditório dos oceanos do Casino de Lisboa e que se prevê que ficará em cena, com três representações semanais, pelo menos até ao final de Março. Segundo o autor, cuja sinceridade deve ser elogiada, é um espectáculo “completamente absurdo” e não serve “para pensar, não é nada intelectual, não é nada para a parte de trás do cérebro” (sic). Que é então? “É uma grande maradice (sic) que eu ainda não sei muito bem o que é”, nas palavras de uma das actrizes intervenientes, Ana Brito e Cunha. Na realidade, é uma paródia à história de Portugal, que é contada aos turistas de “forma sarcástica, cómica, às vezes musical”. Por exemplo, a expansão marítima portuguesa é “representada com banheiras sobre rodas a fazerem de caravelas e Fernando Pessoa”. Também há uma “partida de póquer entre António de Oliveira Salazar e James Bond”, canções dos Abba e das Spice Girls, que são, como é sabido, grupos tradicionais de música portuguesa. Enfim, uma palhaçada …

Outro tanto se diga de ‘Actores’, “uma peça em que” – refere a imprensa – “a repetição, a exaustão e a humilhação são atiradas para o palco”. Segundo ampla reportagem, o encenador confessa que “queria que, nesta navegação por estilhaços dos percursos individuais, o grupo atracasse (sic) em momentos em que fosse a ficção a transbordar para o lado da realidade, em que biografia e peças/telenovelas se vão intersectando, através de manifestações físicas próprias das personagens que assaltam os actores”. Estamos entendidos, não estamos?!

Mas não desanimem, que há ainda pior, nomeadamente no teatro municipal Sá da Bandeira, em Santarém. Aí esteve recentemente em cena “um espectáculo em que uma actriz apareceu nua e a dizer palavrões”. “Trata-se da adaptação e encenação do romance O Mandarim, de Eça de Queiroz” – em que, por sinal, não consta que haja mulheres nuas, nem palavrões – por Pedro Barreiro, o agora demitido director artístico e programador desse teatro, que reconheceu que esta história tinha assumido “um carácter um bocado circense”. A artista em causa, Sandra Oliveira, “não tardou a reagir, considerando que ‘resumir esta peça a uma gaja nua a dizer asneiras’ é de um desrespeito enorme pelo trabalho de todos os envolvidos”, sobretudo – digo eu – o responsável pelo guarda-roupa. Atente-se à pulcritude da linguagem da actriz, sintomática da elevação cultural e evidente interesse artístico e educativo da peça.

E o público? Segundo as contas da vereadora da cultura da Câmara Municipal de Santarém, ‘O Mandarim – Apóstrofe e Paciência’ contou com “47 pessoas a assistir à estreia e (…) 70 euros de receita”! Outro dado significativo: 197 espectadores estiveram no total das quatro representações da peça em Dezembro passado mas, como 127 eram convidados, só 70 pessoas pagaram bilhete, ou seja, houve uma média de menos de vinte presenças pagas por sessão.

Mas, claro, este insucesso não se deve à pouca qualidade das peças, mas ao público que, pelos vistos, já nem de circo gosta. Como disse a vereadora da cultura, “é importante ter espectáculos contemporâneos, mas não podemos ter tudo do mesmo, sobretudo quando ainda não existe maturidade do público”. Portanto, a culpa é do povo, que é imaturo, coitado! Fica explicada a crise do teatro nacional, mas salva-se a honra de vereadores, autores, programadores, directores, encenadores, actores, outros e outras dores: afinal, é por falta de “maturidade do público” que esta nobilíssima arte não atrai mais especta-dores!

Ao invés destas indignas e ruinosas experiências, os musicais ‘Wojtyla’, ‘Calcutá’, ‘Partimos, vamos, somos’, entre outros, foram experiências de grande êxito, graças à beleza de uma empolgante mensagem de fé, de amor e de esperança.

Consta que George Bernard Shaw ofereceu a Winston Churchill dois convites, para a estreia de uma sua peça teatral: um para o primeiro-ministro, e o outro para um amigo dele … ‘se o tiver’! Churchill agradeceu os bilhetes, desculpou-se por não poder ir à estreia, mas disponibilizou-se para uma segunda representação … ‘se houver’! Moral da história: é preferível que uma má peça se fique pela estreia, do que o Estado subsidiar, com dinheiros públicos, peças medíocres e deficitárias a que ninguém vai assistir e que desprestigiam o país.