No passado dia 13 de Janeiro, ocorreu o 265.º aniversário da execução dos supliciados no caso que, por ter envolvido vários membros da família Távora, ficou conhecido por este nome de família. A este processo está indelevelmente ligado Sebastião José de Carvalho e Melo, o ministro a quem, nesse mesmo ano de 1759, o Rei D. José concedeu o título de Conde de Oeiras e, dez anos depois, o de Marquês de Pombal.

Há quem suponha que foi por despeito que o futuro Marquês de Pombal tentou exterminar uma das mais nobres famílias de Portugal, mas a causa próxima da sua eliminação foi o alegado atentado contra a vida de D. José, a 3-9-1758. Do caso não se deu então conta pública, para não prejudicar as investigações, que correram a cargo de Sebastião José, nem afugentar os supostos culpados que, ignorando o que contra eles se tramava, foram detidos a 13-12-1758, julgados e condenados à pena capital, a 12-1-1759, sendo executados no dia seguinte. Este processo ficou, pois, marcado pela celeridade, o que manifestamente já não acontece com a actual Operação Marquês.

Embora a principal vítima fosse D. José Mascarenhas, 8.º e último Duque de Aveiro, o caso ficou conhecido como sendo dos Távoras, não apenas porque pertenciam a esta família os principais implicados, mas também porque foi esta linhagem que foi alvo do ódio de Pombal, que proibiu o uso deste apelido, substituído depois pelo de Lorena, bem como o das suas armas, que deveriam ser eliminadas, onde quer que estivessem representadas.

Todos os nobres executados em Belém eram, pela varonia ou pela sua ascendência materna, da família Távora. A saber: D. Leonor Tomásia de Távora, 3.ª Marquesa de Távora, a dita Marquesa velha, bem como seu marido e primo, Francisco de Assis de Távora, que era neto paterno de Francisco de Távora, 1.º Conde de Alvor, e de sua mulher e prima, D. Inês Catarina de Távora, tia-avó da sua mulher. Também foram executados seus filhos José Maria e Luís Bernardo de Távora, 4.º Marquês de Távora, casado com a Marquesa nova, a alegada amante de D. José, que foi poupada ao suplício do seu marido, cunhado e sogros, no aziago dia 13-1- 1759.

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Também foram executados o já referido 8.º e último Duque de Aveiro e o 11.º Conde de Atouguia. O primeiro era Távora tanto pela sua ascendência materna, uma vez que sua mãe era filha dos segundos Marqueses de Távora, como pelo seu casamento, pois foi casado com D. Leonor Tomásia de Távora e Lorena, filha dos segundos Condes de Alvor. O 11.º Conde de Atouguia, D. Jerónimo de Ataíde, também estava aparentado com a família Távora, por via de sua avó paterna e de sua mulher: aquela era, como a mãe do 8.º Duque de Aveiro, filha dos segundos Marqueses de Távora, enquanto a última Condessa de Atouguia era filha dos referidos terceiros Marqueses de Távora sendo, portanto, duplamente prima do seu marido. Portanto, não só eram Távora os Marqueses velhos, o Marquês novo e o seu irmão, como também o Duque de Aveiro e o Conde de Atouguia, ambos pelos seus respectivos casamentos e pelas suas ascendências femininas. Dificilmente uma só família podia estar tão implicada num alegado crime de lesa-majestade.

Para além das vítimas supliciadas em Belém, onde ainda hoje existe o padrão do Beco do Chão Salgado, que perpetua a maldição que aí recaiu sobre esta família, também houve inocentes que sofreram penosamente as consequências deste processo. Foi o caso da viúva do Duque de Aveiro e do único filho de ambos, o Marquesito de Gouveia. Era ela D. Leonor de Távora e Lorena e, segundo Camilo Castelo Branco, “foi encarcerada no pobre convento do Rato, sem recurso algum, privada do pão das arras, reduzida à extrema penúria, a ponto de servir as freiras a troco de uns sapatos velhos e de uma saia para não andar descalça e nua. Esta duquesa tinha um filho, que ao tempo em que sua mãe, aos quarenta e três anos, morria traspassada de dores tamanhas que só um poder divino podia criá-las, pedia ele de esmola umas ceroulas no Forte da Junqueira, porque estava nu e tiritava de frio na sua caverna.” Ambos eram inocentes do crime que levou à execução do seu marido e pai, respectivamente, mas sofreram as consequências da sua culpa, por ordem de Pombal.

Quando se recordam os extremos em que, por vezes, incorria o Tribunal da Inquisição, é compreensível o escândalo de crentes e não-crentes, mesmo sabendo que, por regra, era o Estado que executava as penas, por entender que os crimes contra a fé católica eram de lesa-pátria. Sem querer justificar o injustificável, nem branquear a História, esses episódios só podem ser historicamente avaliados por comparação com o modo como o Estado de então fazia justiça. O caso dos Távoras é exemplificativo da justiça estatal, muito mais cruel do que a justiça eclesial.

Como escreveu o beneditino Padre Estêvão Tavares Bettencourt, “os soberanos accionavam a Inquisição segundo os seus propósitos, mediante homens por eles nomeados, provocando sérios conflitos com a Santa Sé, que mais de uma vez se recusou a reconhecer o procedimento da Inquisição na península ibérica; aliás, no final da vigência desta instituição, já não se dizia Inquisição eclesiástica, mas sim Inquisição Régia”. Com efeito, o Marquês de Pombal nomeou Inquisidor Mor o seu irmão Paulo de Carvalho e, por alvará de 30-5-1769, declarou a Inquisição tribunal régio, para que “o Santo Ofício lusitano, convertido em dependência do Estado secular”, combatesse os seus inimigos políticos, nomeadamente a Companhia de Jesus e o infeliz Padre Gabriel Malagrida, jesuíta, que no dia 11-1-1759 foi condenado, também pelo crime de lesa-majestade, sendo garrotado e queimado vivo no Rossio, a 21-9-1761.

Não obstante a infâmia com que o ministro de D. José pretendeu manchar, para todo o sempre, o ilustre nome da família Távora, a verdade é que Sebastião José não conseguiu extinguir esta família, nem apagar definitivamente as suas armas.

Por ironia do destino, o 3.º Marquês de Pombal casou com D. Francisca da Silveira e Lorena que, na realidade, se deveria apelidar Távora, pois era bisneta paterna dos referidos Francisco de Távora, 1.º Conde de Alvor, e de sua mulher e prima D. Inês Catarina de Távora, que era irmã do 2.º Marquês de Távora. Desde então, os descendentes de Sebastião José usam, com o Carvalho da sua varonia e o Daun da primeira Marquesa de Pombal, o Lorena desta sua remota avó Távora.

Por outro lado, bem perto do seu solar, na Rua de O Século, em Lisboa podem-se ainda hoje ver as armas da família Távora, na campa da fundadora do magnífico Convento dos Cardaes, onde ainda hoje, graças às religiosas dominicanas e, muito especialmente, à Irmã Ana Maria Vieira, não só se preserva um excelente fundo museológico, como se realiza um extraordinário trabalho social com mulheres deficientes. Por jazer D. Luísa de Távora na clausura, interdita ao omnipotente Marquês, este não pôde eliminar as suas armas, apesar de estarem a escassos metros da sua casa, como que desafiando perpetuamente a sua tirania.  Só a Igreja logrou resistir ao déspota que a primeira República tanto exaltou, preservando não apenas a memória desta piedosa mulher, como também a da sua nobre e injustiçada família.