A constituição de uma Comissão Técnica Independente (CTI) para realizar (finalmente) uma Avaliação Ambiental Estratégica, hoje reconhecida como obrigatória, reavivou a esperança de se chegar a bom (aero)porto.
Na sessão pública, soube-se ─ não era um bom começo ─ que a contratação das equipas para aprofundar a análise ainda não tinha sido feita. Contudo, mesmo assim, a CTI já considerava possível decidir as soluções que passavam à fase seguinte. Conheceram-se os 10 critérios de seleção e a obrigação de todas as opções indicadas pelo governo (5) serem analisadas. Muitos não estariam à espera desta “passagem administrativa” por uma questão de tratamento equitativo com as outras opções, mas “quem pode manda”.
O povo diz que o “diabo está nos detalhes”. Ir-nos-emos debruçar sobre alguns dos critérios de seleção, mas sobretudo, sobre o mais bombástico na eliminação do Hub Alverca-Portela, que precisa de um enquadramento prévio para uma melhor perceção.
A inovadora abordagem aeroportuária “anti-sistema”, de baixíssimo custo por otimizada maximização do uso do existente na margem norte e fusão de duas plataformas através de comboio-automático dedicado, não precisa de novo atravessamento do Tejo. O reduzido custo do inovador hub fez soar os gritos de “aqui d´el rei” ao desmentir tudo o que tinha sido apregoada por muito boa gente. Assim, desde o início, aquela solução foi o alvo a abater pelo corporativismo institucional e pela aliança de interesses, entre os defensores dos mega aeroportos de raiz / descomunais travessias do Tejo e dos municípios da margem sul, uns como parte interessada na solução CT Alcochete e outros (menos) na solução Montijo. Só mesmo o elevado desempenho / muito favorável custo-benefício / rapidez de implementação protegeu, qual couraça, a solução até aos dias de hoje.
Passemos a factos: este projeto já foi objeto de uma tentativa de assassinato, uma primeira vez, pela NAV.
O Hub Alverca-Portela teve apresentação formal ao Governo e NAV em dezembro de 2017, seguida de detalhada informação remetida ao longo do tempo. Apesar dos pedidos, não houve qualquer outra reunião. No período de consulta pública do EIA Montijo, os promotores tomaram conhecimento de que a NAV eliminava Alverca porque a distância transversal entre a pista Portela e a nova em Alverca era inferior a 5 milhas náuticas – MN (9,3 km). Posteriormente, através de um programa de televisão (SIC) em direto, visualizou-se um diagrama NAV, em que que esta reduzia a distância transversal mínima para 3MN (5,5km), o que colocava a nova pista Alverca no meio do canal de navegação do Tejo, levando o ministro da tutela de então a eliminar a solução. Refira-se, em abono da verdade, que o ministro teve o cuidado de dizer que tinham sido os técnicos que o tinham informado, uma vez que ele era economista.
Foi um grave lapso técnico da NAV. Admitiu-se, na altura, que tal se devia à falta de prática na operação de pistas paralelas. A informação técnica internacional é clara e inequívoca quanto ao procedimento a seguir nas aproximações com distância transversal inferior ao mínimo, o habitual até nos maiores aeroportos, como o Hub Paris-CDG. E é tão simples quanto isto: a aproximação das duas aeronaves é feita com uma separação vertical de 300m. Aliás, a própria VINCI opera em Paris dois aeroportos próximos com duas pistas paralelas independentes em que a distância é inferior à proposta para Alverca versus Portela, pelo que, então, a ANA poderia (ou deveria?) ter esclarecido esse equívoco. Os proponentes tentaram, por muitos meios, esclarecê-lo, mas sem sucesso. Só na conferência CES (Conselho Económico e Social) de novembro passado, foi possível esclarecer o lapso da NAV, ao público e à própria presidente da NAV, que também participava, a qual, admite-se, terá comunicado aos seus técnicos o grave lapso porque, agora, nos trabalhos da CTI (em que a NAV participa), já não aparece qualquer referência às 3 milhas náuticas (5,5km).
A este propósito, como nota relevante, deve referir-se que a intervenção da NAV no processo é controversa, tanto pela sua participação ativa na solução Hub Portela+ Montijo (as trajetórias do Montijo são da autoria da NAV), como por ter validado essa solução técnica. E, também, pela autoria da primeira tentativa de assassinato do Hub Alverca-Portela.
Mal imaginavam os promotores da solução que esta iria ser objeto de outra tentativa de assassinato pela informação desvirtuada da mesma fonte (NAV) ─ agora veiculada pela CTI, em vez de um ministro. O “cego” processo com os cones de aproximação NAV leva o Hub Alverca-Portela a afetar 762.000 pessoas com ruído excessivo! Ainda pior que o celebérrimo Heathrow neste capítulo ou que a soma dos dois grandes aeroportos parisienses (CDG + Orly). Perante um número tão alarmista, qualquer pessoa sem informação especializada pensará o pior possível da proposta. Este artigo não visa apresentar um estudo técnico, que será oportunamente divulgado, mas desde já avançamos que, ao recorrer-se às medições de ruído reais, o Hub Alverca-Portela afeta 8% do terrífico número NAV-CTI e está francamente abaixo da média europeia. Uma “curiosidade”: na sessão, a presidente da CTI justificou o critério utilizado por não ser possível, em tão curto prazo de tempo, utilizar outro (leia-se, o correto) para todas as alternativas, todavia esquecendo-se de, no final, confrontar o resultado com as medições reais, para verificar, pelo menos, se havia gritante disparidade (que se confirma). Ora, o resultado prático foi eliminar já (e apenas) o Hub Alverca-Portela, uma vez que opções estratégicas propostas pelo Governo com a Portela (3 das 5) não podiam ser eliminadas nesta fase. Mais tarde, mesmo que venha a ser utilizado o critério adequado, Alverca-Portela já não representará nenhum perigo para os que gritaram “daqui d´el rei”.
Houve ainda mais incorreções envolvendo a NAV (capacidade do sistema de pistas) e outras nem sequer entendíveis, como a solução não ter capacidade de expansão por ser inferior a 1.000ha, quando o conjunto tem mais de 1.650ha, em que Alverca representa mais de 1.200ha ou, ainda, ser inundável, quando a plataforma é sobrelevada 3m em relação à maré máxima atual (2m após subida do nível do mar), ou seja, o local à beira-rio mais seguro. Mas isto deixaremos para próximos artigos.
Não será caso para perguntar: afinal, quem terá medo de que o Hub Alverca-Portela seja avaliado em pé de igualdade com as outras alternativas estratégicas?