Para quem hoje cai de paraquedas na decisão de escolha da solução para ampliar a capacidade aeroportuária de Lisboa, é preciso explicar que a privatização de empresa pública ocorreu num quadro de resgate financeiro em que a “troika” impôs medidas para o país ter liquidez financeira, com avaliação trimestral do desempenho. Os únicos ativos com substancial valor eram a EDP (rendeu 2.700M€) e a ANA-aeroportos, cujo valor de venda veio a superar as melhores expetativas. A empresa Vinci pagou 3.080M€, mais 26% que o segundo classificado (Frankfurt 2.442) e mais 54% que o terceiro (Zurique 2.000), o que significa que Portugal teve a sorte de ter aparecido a Vinci a pagar um prémio de 640M€ para entrar no setor.

Seis anos depois, pelo esperado aumento de tráfego aéreo em relação ao que já tinha pago até ao ano 2062, a Vinci avançou com a proposta de 1.400M€ (em valor de obra) o que, simplificadamente, soma à oferta inicial cerca de 1.350M€ (atualização de 6 anos a muito baixa taxa) e, ainda, verteu no acordo acabar com o mecanismo contratual que aumenta as taxas com a procura (responsável pelos elevados lucros iniciais) e que o Montijo iria ter taxas mais baixas para atrair tráfego.

O governo PSD/CDS lançou a solução dual com Portela e o governo seguinte do PS, apoiado por BE e PCP, aprovou a solução, após certificação técnica da ANAC/NAV e ambiental da APA e ICNF.

Nesta perspetiva, é o equivalente à Vinci ter pago inicialmente cerca de 4.400M€ para ter um tráfego que iria crescer até 65M no final da concessão (ano 2062) e em que teria direito, nos primeiros anos, a uma taxa superior ao usual, comprometendo-se a aumentar a capacidade com a solução dual HUB Portela + Montijo. É isto que os principais partidos e as entidades públicas relacionadas aprovaram.

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Será que as balizas do contrato e a sua renegociação financeira estão assim tão mal?

Objetivamente, não. O nosso ponto de partida da análise foi o normal nos projetos que envolvem concessões. Fizemos primeiro o trabalho de casa, estudámos o contrato à luz da lei e de que o Estado é uma pessoa de bem e que Portugal faz parte de uma comunidade europeia que tem regras e que nos empresta dinheiro e nos apoia nos momentos difíceis.

Ora, a Vinci pagou mais 860M€ que a média dos dois experientes operadores logo a seguir na oferta, logo congratulações. O contrato admitia a possibilidade de alternativa dual com a Portela, até a Câmara de Lisboa tinha beneficiado de 300M€ para a concessão poder avançar, sem pendências, logo parabéns. Além disso, a solução dual da concessionária não precisava da ponte Chelas-Barreiro por o pequeno aeroporto no Montijo ser low cost com um grande desconto na taxa para compensar o acesso por barco, logo agradecimentos do Estado português pela poupança na sua esfera de competências.

Feito o trabalho de casa, confirmámos que o problema não era o contrato nem a sua vertente financeira, era na substância (só até 50 milhões de passageiros em adequadas condições) e na vertente técnica, nomeadamente:

  • Na BA Montijo, a pista que substituía a da NATO tinha de ter 2.440m (sem recuo de soleira), taxiway a todo o comprimento (afastamento de 210m) e distância de segurança de 300m de ambos os lados, o que implicava quase 400.000m2 de plataforma sobre estacas, desviar o canal do Montijo e deslocalizar o polo químico do Lavradio. O custo desta pista é inviável para um aeroporto low cost de taxa com desconto até 80%, face ao que a Vinci colocou uma pista com desempenho inferior e até não-regulamentar segundo as atualizadas normas de segurança para pistas com instrumentos (é o caso).
  • Na Portela, o reforço de tráfego quase duplicava os voos antes da concessão, mantendo o longo curso e o horário alargado, o oposto de um aeroporto-citadino que é o hoje indicado na sua localização.

Fruto de anos de desenvolvimento, foi proposta ao governo, como sua alternativa à da concessionária, a inovação mundial “1 aeroporto-2 terminais”- até 85M, com acoplado HUB ferroviário onde passam todas as ligações de Alta Velocidade, com área de 1.650ha (Alverca 1.200-Portela 450), capacidade 105mov/h, com núcleo Portela-citadino e grosso do tráfego em Alverca com pistas com trajetórias sobre água dos dois lados, custando 1.000M€ com a mesma capacidade (50M) da solução dual Vinci, mas que, ao contrário desta, pode subir até 85M. E, ainda, com a vantagem de ter mais receita por ser um uno aeroporto (não terá desconto Montijo), também não precisando de ponte por ser na margem norte (90% das viagens aéreas). É, assim, uma solução que encaixa nos termos da Vinci e pode por ela ser diretamente executada pois também não precisa de fundos públicos.

Seria de esperar que os cinco partidos políticos e as quatro entidades públicas que aprovaram formalmente a solução da concessionária (em aditamento ao contrato) ovacionassem de pé e com palmas a solução HUB Alverca-Portela.

Mas, estranhamente, o que se verificou foi um bloqueio sistemático, primeiro pelas entidades públicas, depois pela própria tutela que, erro já esclarecido, colocou a pista Alverca no meio do rio, depois foi excluída do rol de soluções a considerar na Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) que o consórcio Aena ganhou e depois liminarmente eliminada pela Comissão Técnica Independente (CTI) da AAE quando ainda nem sequer tinha equipa técnica.

CTI que, depois de ter eliminado a solução HUB Alverca-Portela, que encaixa, com folga, no contrato da concessionária e que resolve as carências da sua alternativa em capacidade e conetividade ferroviária, é que parece que se lembrou de ler o contrato de concessão – o trabalho de casa por onde devia ter começado – e, no final, se lamenta dos seus termos (esquecidos no estudo).

CTI que quer passar uma esponja sobre a concessão e voltar a 2007 como se não tivesse havido o resgate financeiro e a dívida nacional não fosse hoje mais do dobro do que era na altura.

CTI que, qual lobo mau, mostra os dentes e ameaça a Vinci com voltar com o contador a zeros, com os portugueses a pagarem o que for necessário (que será muito) para correr com a concessionária e, então, partir para o sonho do maior aeroporto da União Europeia.