Quando Jesus, no dia da sua ressurreição, apareceu aos apóstolos, Tomé, um dos doze, não estava presente (Jo 20, 24). A ausência do Dídimo, ou gémeo, não é de estranhar porque, com a morte de Cristo na Cruz, todos os seus seguidores se dispersaram, com a honrosa excepção de João que, com Maria, permaneceu junto da Cruz do Senhor. Como foi nesse momento que a Mãe de Jesus foi encarregada de o ser também do apóstolo adolescente e de todos os cristãos (Jo 19, 25-27), pode ser que tenha sido por seu intermédio que todos, menos Judas Iscariotes, se tenham voltado a juntar, pois é já no cenáculo que Cristo os encontra ao fim daquele dia (Jo 20, 19-23). Antes, tinha sido visto pelas santas mulheres (Mt 28, 1-10), por Maria Madalena (Jo 20, 1-18), por Pedro (Lc 24, 34) e pelos discípulos de Emaús (Lc 24, 13-31).

Quando, por fim, Tomé se uniu ao grupo dos outros dez apóstolos, estes contaram-lhe como lhes tinha aparecido Jesus de Nazaré, mas o gémeo não acreditou. Esta atitude era ofensiva para os apóstolos e também para o próprio Cristo. Com efeito, não acreditar no que alguém nos diz é também não crer em quem o diz, ou seja, pôr em causa a sua credibilidade. Mais grave do que esta indelicadeza de Tomé para com os apóstolos, cujo testemunho, por sinal, fora já corroborado pelas santas mulheres e pelos discípulos de Emaús, era, decerto, a sua falta de fé em relação ao que Jesus reiteradamente profetizara.

Com efeito, pelo menos por três vezes, Cristo anunciou, claramente, a sua paixão e morte, tendo então afirmado também que, ao terceiro dia, ressuscitaria (Mt 16, 21; 17, 22-23; 20, 17-19). Também disse que, destruído o templo, o reconstruiria em três dias (Jo 2,19-22), referindo-se à ressurreição do seu corpo. Depois da sua transfiguração no monte Tabor, a que apenas assistiram três dos seus apóstolos, Jesus impôs-lhes a proibição de referir o que tinham visto, até que Ele ressuscitasse dos mortos (Mt 17, 1-9); alusão profética que, já então, os intrigou.

Na realidade, não era necessário que Jesus Cristo, depois de ressuscitar, aparecesse: a sua palavra era mais do que suficiente para que os seus discípulos, de todos os tempos, cressem que tinha efectivamente ressuscitado, mesmo sem nunca O terem visto. Os católicos cremos que Maria, a Mãe de Jesus, subiu ao Céu em corpo e alma, muito embora desse acontecimento, que foi declarado dogma de fé pelo Papa Pio XII, não se conheçam testemunhas, não conste na Sagrada Escritura, mas sim no Corão. Portanto, Tomé devia crer, não apenas pelo testemunho unânime dos que viram o ressuscitado – que ele, por não ter estado presente, não podia contradizer – mas, sobretudo, pela própria palavra de Jesus que, sobre este particular, foi particularmente explícito e insistente.

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Tomé levou o seu atrevimento ao extremo de exigir uma prova irrefutável do que se negava a crer: “Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito, não acredito” (Jo 20, 25).

Ante uma provocação deste género, Jesus podia condená-lo pela sua má-fé e impertinência: não é a criatura que impõe condições ao Criador, nem lhe cabe exigir provas sobre o que o próprio Deus suficientemente revelou. Na parábola do pobre Lázaro e do rico, Deus, pela palavra de Abraão, rejeita o pedido daquele para que o mendigo apareça aos seus extraviados irmãos, pois se estes não crêem na Escritura, também não acreditariam em Lázaro se ele, ressuscitado, lhes aparecesse (Lc 16, 19-31).

Mesmo que Cristo não castigasse o apóstolo incrédulo, poderia ter ignorado, por supérfluo, o seu desrespeitoso pedido: para prova da sua ressurreição já contava com a constatação dos outros dez apóstolos, para além dos dois discípulos de Emaús, Maria Madalena e outras santas mulheres. Mais tarde, será visto por mais de quinhentos irmãos, que foram também testemunhas da sua gloriosa ressurreição (1Cor 15, 6). Portanto, que Tomé acreditasse era, afinal, irrelevante, tendo em vista que, para além de tantas testemunhas, também havia provas – como o sepulcro vazio, o testemunho dos anjos e a manifesta mentira dos soldados – mais que suficientes para que qualquer pessoa, minimamente inteligente e sem preconceitos, acreditasse na ressurreição de Cristo.

Não obstante a irreverência do apóstolo incrédulo, Jesus reapareceu uma semana depois e “disse a Tomé: ‘Olha as minhas mãos: chega cá o teu dedo! Estende a tua mão e põe-na no meu peito. E não sejas incrédulo, mas fiel’. Tomé respondeu-Lhe: ‘Meu Senhor e meu Deus!’” (Jo 20, 27-28). Aparece ao discípulo incrédulo com um sui generis bilhete de identidade: as suas chagas! Ou seja, Tomé pôde comprovar que era o mesmo Senhor e que aquele era o corpo que tinha sido crucificado e, já morto, trespassado pela lança do soldado. Se a ciência se define pelo seu carácter experimental, bem como pela verificação empírica das suas leis, pode-se dizer que a morte e ressurreição de Jesus de Nazaré são factos científicos, porque experimentalmente verificados por quem neles não crera, mas depois de os comprovar cientificamente, rendeu-se à sua evidência. Estes acontecimentos têm, decerto, mais provas históricas a seu favor do que as existências de Júlio César, Cleópatra, ou Alexandre o Grande, de que, contudo, nenhuma pessoa culta duvida.

Tomé foi, de algum modo, o primeiro cientista cristão. Ao contrário do que supõem os ignorantes, a fé não se contrapõe à razão, mas baseia-se nela, porque a fé é um acto de conhecimento que a pressupõe. Por isso, no princípio do seu magistério, Jesus de Nazaré fez o milagre das bodas de Caná, que provocou nos seus discípulos a fé (Jo 2, 1-11) que é, portanto, uma crença lógica: se Cristo não tivesse manifestado, por meio de milagres, profecias e, sobretudo, a sua ressurreição, a sua condição divina, não seria razoável crer nele (Jo 3, 2;10, 37-38). Pedro, o primeiro Papa, consciente da consistência racional da fé cristã, ensinou aos primeiros fiéis: “confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça” (1Pd 3, 15). E Santo Agostinho acrescentou: “eu creio para compreender e compreendo para crer melhor” (Sermão 43, 7, 9; Catecismo da Igreja Católica, nº 158).

O Cristianismo não surge como mais uma religião, porque as de então eram mitologias imaginárias, sem fundamento racional, mas como verdadeiro conhecimento: Jesus Cristo é a Verdade (Jo 14, 6), “no qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência”, porque “a realidade é Cristo” (Cl 2, 3.17). Foi para dar testemunho da verdade que Ele veio ao mundo (Jo 18, 37). Os primeiros cristãos foram perseguidos pelos romanos porque, não professando a sua falsa religião, eram considerados ateus. E, por isso também, desde há dois mil anos que a Igreja católica, à qual se devem as universidades e tantas descobertas científicas, é a principal promotora do conhecimento, não apenas teológico e filosófico, mas também científico e técnico.

Talvez seja esta, precisamente, a grande lição de Tomé, o Dídimo: a fé e a razão são gémeas que não se podem separar, sob pena de que a religião, sem a razão, seja uma crença irracional, ou a razão, sem a fé, não alcance o seu fim último, porque a compreensão do homem e do cosmos só é possível a quem sabe, pela revelação, que Deus é amor (1Jo 4, 8.16).