Na última década, para combater a fraude fiscal e o crime organizado, a Europa intensificou a legislação sobre os registos dos beneficiários efetivos finais das empresas. Ainda em 2018, uma diretiva europeia reforçava a transparência, obrigando os Estados Membros a terem registos abertos ao público sobre os beneficiários efetivos das empresas nacionais.

Foi graças a estes registos que foram identificados e apreendidos na Europa desde o início da guerra vários ativos, incluindo barcos de oligarcas russos. São também estes registos que têm permitido identificar criminosos responsáveis por lavagem de dinheiro e de fraude fiscal. A diretiva não serviu apenas para denunciar casos de abusos, mas também para dissuadir a utilização de empresas europeias como fachadas para atividades criminosas.

Contudo, numa decisão do passado dia 22 de novembro, o Tribunal de Justiça Europeu considerou que o acesso praticamente livre, que em muitos casos requer apenas o registo na plataforma da pessoa que está a aceder, é desproporcional para atingir os objetivos, e colide com os princípios fundamentais de proteção da vida privada e familiar e de proteção dos dados pessoais.

À primeira vista, pode parece que esta decisão é um passo atrás no combate à criminalidade financeira, porque cria barreiras no acesso à informação por parte da comunicação social e do público em geral. No entanto, o tribunal admitiu também que o acesso a esses dados pelo público em geral pode ser legítimo. É a confirmação de que a transparência tem um valor social positivo. Assim, a opção de manter estes dados com acesso limitado a advogados, solicitadores e notários, como era o caso de Portugal e de outros países da União Europeia até 2020, não é uma alternativa viável.

Cabe agora à União Europeia conjugar melhor os princípios de transparência com a proteção da vida privada, apresentando uma proposta que clarifique exatamente em que condições é considerado que o acesso a estes dados é justificado, assegurando a maior transparência possível para o público em geral. Na conjugação destes diferentes valores, da transparência e da privacidade, é crucial que a decisão do tribunal não deite por terra os esforços que foram feitos nos últimos anos para combater o crime financeiro e o crime organizado.

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