“Deus quer, o Homem sonha, a Obra nasce”. A frase é de Fernando Pessoa e poderia aplicar-se à nova Unidade de Intervenção da Covilhã e às dificuldades que tivemos de ultrapassar para o conseguir. Foi um sonho de muitas pessoas, bem acordadas, que sabiam que ela era necessária, senão mesmo imprescindível.

Este projecto, que sempre teve o apoio dos vários Conselhos de Administração com quem tivemos o prazer de trabalhar, tinha um objectivo muito importante, acabar com a única zona cinzenta do País no que dizia respeito ao tratamento adequado dos enfartes agudos do miocárdio, os chamados ataques cardíacos, mas não só. Também se propunha tratar outras situações cardiovasculares e mesmo doenças graves de outras especialidades, por isso não lhe chamámos unidade cardíaca.

Na altura, há muitos, muitos, anos, o nosso serviço tinha apenas dois cardiologistas e os mais simpáticos chamavam-nos lunáticos, os outros pensariam pelo menos que não estávamos bem da cabeça, que era praticamente impossível, o que interpretámos comoarter ser possível, embora um pouco difícil, mas exequível. E deitámos mãos à obra, primeiro fazendo crescer o serviço, atraindo jovens especialistas, dando-lhes condições para permanecerem, o que aconteceu, e até hoje, nenhum foi embora.

Aqui também foi importante o facto de termos uma Faculdade de Medicina e uma autoestrada que nos liga ao Mundo e a nossa certeza de que o interior é em Madrid e Paris e não na Covilhã.

Depois era preciso convencer a tutela, estudando exaustivamente a situação, a começar pela demografia, fazendo um levantamento das necessidades, frisar sempre que esta era a única maneira correcta de tratar um enfarte do miocárdio em tempo útil, que idealmente não deve ultrapassar os 90 minutos, porque cada minuto conta para salvar vidas e evitar a evolução para insuficiência cardíaca, que mata mais do que a maioria dos cancros, fazer uma análise custo/beneficio, e escrever tudo, para enviar e negociar.

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Procurámos o apoio da maioria dos responsáveis a nível regional e nacional, explicando sempre que possível o que estava em causa, para tentar fazer chegar aos vários ministros da Saúde, um projecto credível e com qualidade.

Ao mesmo tempo, íamos, com o apoio do Serviço de Cardiologia de Coimbra, constituindo várias equipas, seis ou sete, de todo o País, para assegurarem, numa primeira fase, cateterismos, 24  horas por dia, 7 dias por semana, revezando-se semanalmente, e comprometendo-se a dar formação aos profissionais do nosso hospital, para termos autonomia no futuro.

E, com avanços e recuos, com mais ou menos dificuldades, no dia 1 de Fevereiro de 2024 realizámos o primeiro cateterismo no nosso hospital. Até ao dia 31 de Agosto, sete meses depois, já contávamos com 878 procedimentos em 625 doentes, sendo 259 deles angioplastias, algumas com procedimentos muito complexos.

É de referir que os doentes vêm da antiga zona cinzenta, dos distritos de Castelo Branco e da Guarda e a Via Verde Coronária orienta os doentes todos para o nosso Serviço, sem passarem sequer nos hospitais da zona, para ganharmos mais uns minutos que podem fazer a diferença entre a vida e a morte ou entre um futuro saudável, ou com sequelas.

Apenas mais um apontamento pessoal. Tendo atingido a idade mínima para ter direito à reforma, decidi retirar-me e dar lugar a outro diretor, mais novo. O serviço fica bem entregue, a crescer de forma sustentável e eu saio por vontade própria e pela porta da frente.

Ao novo diretor deixo só mais um repto, um novo sonho: acabar com os bairrismos e juntar os serviços da Covilhã, de Castelo Branco e da Guarda num único serviço com três polos, para ser único serviço de excelência e de referência.

E, finalmente, acabou a zona cinzenta nesta região.

Estamos naturalmente felizes e orgulhosos.

António Peixeiro é licenciado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Fez toda a sua formação nos Hospitais da Universidade de Coimbra. É atualmente diretor do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar e Universitário da Cova da Beira, actual ULS da Cova da Beira, na Covilhã.

Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.

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