Com a novela das últimas semanas que culminou com o chumbo da descida da taxa social única (TSU) para as empresas, tudo se tem centrado nas implicações políticas deste cisma na maioria que apoia o governo. No entanto, este episódio revela algo ainda pior: não existe uma estratégia a prazo que conjugue um aumento do salário mínimo nacional (SMN) comportável pelas empresas e sem por em causa a competitividade da economia portuguesa. Apetece perguntar (tal como se perguntou em 2012 ao governo de então): há algum estudo por trás desta descida da TSU e do aumento do salário mínimo?

Depois de cinco anos em queda – com a exceção de 2013 devido às decisões do Tribunal Constitucional – a economia portuguesa voltou em 2016 a perder competitividade não só em termos absolutos, mas também face às outras economias da área do euro e, ainda, face às outras três economias da “periferia” (Itália, Grécia e Espanha) do sul da área do euro. Isto é visível através da análise da variação da medida mais usada: os custos unitários do trabalho, ou seja, a variação dos custos com o trabalho ajustada pela produtividade. A perda de competitividade relativa tem sido muito pouco comum ao longo dos últimos 20 anos, quer face à área do euro (não ocorria desde 2005), quer principalmente face aos outros países do sul: não ocorria desde 2001.

Claro que os aumentos acumulados do SMN, que ocorreram desde 2014, contribuíram para esta variação, principalmente tendo em conta que a percentagem de trabalhadores que recebem o salário mínimo é cada vez maior. Ora, com uma produtividade que continua praticamente estagnada – só aumentou nos piores anos da crise devido ao aumento brutal do desemprego – é fácil concluir que praticamente qualquer aumento de salários levará a uma deterioração da competitividade. E, para além do aumento do SMN, as reversões de medidas tomadas durante o programa de ajustamento decididas maioritariamente este ano (reposição de feriados, aumento do custo das horas extraordinárias, aumento dos salários e redução de horários da função publica) têm um contributo também significativo.

É compreensível, e desejável até, que depois do programa de ajustamento sejam repostos rendimentos e, ainda mais, que o salário mínimo seja aumentado. No entanto, fazer tudo rapidamente tem custos, alguns dos quais já estarão a ser sentidos, algo que até é reconhecido implicitamente pelo governo.

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Em primeiro lugar, a queda do investimento durante o ano passado foi o primeiro reflexo da incerteza provocada por estas reversões e também do fim da descida gradual do IRC. Em segundo lugar, parece óbvio que até o governo reconhece que aumentar salários põe em causa não só a competitividade, mas também a criação de emprego. E digo que parece óbvio já que até o governo o reconhece ao baixar a TSU como moeda de troca para o acordo na concertação social.

Finalmente, em terceiro lugar, embora as exportações continuem a crescer, tal como tem vindo a acontecer desde o inicio do programa, esta esconde o impacto que a perda de competitividade já está a ter. Pela primeira vez desde 2005, as exportações portuguesas irão crescer menos do que os mercados de destino. Ou seja, ainda que as exportações continuem a crescer, Portugal está a perder quota de mercado internacional. Este é um fenómeno comum aos outros países da periferia, mas não é comum aos nossos vizinhos espanhóis (e, de certa forma, nossos principais concorrentes).

Por isso, não deixa de ser positiva a intenção do governo de apresentar medidas que compensem a subida do salário mínimo, especialmente medidas que reduzam os custos das empresas. O que não é desejável é que tal seja feito sem qualquer estratégia de médio prazo e apenas para remendar a subida deste ano. E, pior do que isso, não faz qualquer sentido usar o Orçamento do Estado para financiar um aumento de salários, já que qualquer margem de manobra do Estado devia ser, sim, aproveitada para melhorar a competitividade das empresas e atrair investimento.

É certo que a concertação social é agora vista como uma “feira de gado”: a forma como a negociação foi feita, sem garantias de apoio parlamentar, assim o demonstra. Mas, mais do que arranjar agora um plano B para o aumento do SMN (seja a descida do PEC ou outros custos), importa demonstrar que existe uma estratégia de médio prazo que permita conjugar aumentos de salários sem por em causa a competitividade. Algo que, em abono da verdade, não parece existir nem do lado do governo, nem do lado da oposição.

Os problemas da economia portuguesa não se esgotam nas finanças publicas – estas são aliás um reflexo da falta de crescimento e dos desequilíbrios externos. Como demonstra a experiência anterior à crise, os efeitos da perda de competitividade são graduais, mas a fatura acaba sempre por aparecer. Quando Olivier Blanchard e outros alertavam, ainda bem antes da crise, para os custos futuros da perda de competitividade, foram maioritariamente ignorados e apelidados de “cassandras” – mas será que a história se repete?