Muitos pensam que a regulação das redes sociais digitais deve ser igual à das redes existentes naquilo a que chamam mundo real (falam como se o mundo virtual fosse imaginário). Advogam a liberdade de expressão, mas regulada por ações em tribunal se for caso disso (quem quiser que se queixe). Claro que este raciocínio parece lógico, porque ninguém deveria decidir se o outro pode falar, nem individualmente, nem em grupo. Afinal, ninguém é Deus, ou tribunal. O problema é que as coisas já não são assim tão simples, tendo a tecnologia transportado a humanidade para um novo patamar da realidade onde redes digitais todo-poderosas tornam indispensável uma profunda reforma política.

Claro que ações judiciais são sempre possíveis e ainda bem. Afinal, a separação de poderes é fundamental em democracia. No entanto, as novas tecnologias de informação, com destaque para a inteligência artificial, a big data e a criptografia avançada, levam os donos das redes sociais a obedecer instantaneamente aos anunciantes que os financiam. Neste novo ambiente de negócios, são os interesses comerciais que escolhem automaticamente (logo a montante) os conteúdos das redes sociais, através de algoritmos que rentabilizam a atividade publicitária, exacerbando gostos e necessidades através de marketing enganoso. Mais: estes algoritmos também permitem radicalizar emoções e obter dividendos políticos, até ao ponto em que já nem seja preciso influenciar diretamente quaisquer eleições.

Como diz o povo, “para grandes males grandes remédios”, e ainda bem que a tecnologia pode resolver os problemas por ela própria criados. Por isso, é muito bem-vinda uma nova geração de empreendedores tecnologicamente mais esclarecidos que a maioria dos decisores políticos. É o caso de Elon Musk, Jack Dorsey e outros pioneiros que determinarão o preço certo da descentralização da informação para libertar as redes sociais de um modelo de negócio publicitário prejudicial à sociedade.

Estes espíritos livres reconhecem que a centralização de dados representa um enorme perigo para a democracia e a liberdade, tendo já anunciado a descentralização das redes sociais que fundaram ou recentemente adquiriram. Antevendo a nova realidade, Musk vislumbrou uma “super app” multifuncional para realizar as transações quotidianas, tal como acontece na plataforma digital chinesa WeChat onde os utilizadores levam a cabo a maioria das atividades do seu dia-a-dia. Claro que Musk também sabe que esta rede social é um instrumento político do regime chinês para controlar a população, e deverá criar algo substancialmente diferente; uma “super app X” que obvie o marketing enganoso levado a cabo por algoritmos capazes de induzir uma segmentação artificial dos utilizadores para os alinhar com os conteúdos e os anúncios promovidos. Claro que tem de existir um código deontológico nas redes sociais, mas não devem ser comités de engenheiros informáticos ou autocratas a decidir políticas computacionais que seduzem os utilizadores. Têm de ser as próprias pessoas a decidir em que circunstâncias estão dispostas a ser seduzidas!

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Assim, enquanto o novo Twitter de Musk sinaliza uma nova era de transparência e liberdade, a recém-criada rede social descentralizada de Jack Dorsey garante o controlo dos dados por parte dos utilizadores, resultando numa garantia de livre trânsito entre diferentes plataformas digitais. Assegurar tal liberdade implica substituir o modelo de negócio que tornou as principais redes sociais reféns dos milhares de milhões de euros e dólares faturados em publicidade e não só. Quando a inscrição e participação numa rede social é grátis, isso significa que o produto comercializado na rede é o próprio utilizador, pelo que a anunciada cobrança de mensalidades no Twitter é o passo certo para livrar a humanidade deste perigoso modelo de negócio. 

Por isso, a cobrança de mensalidades no Twitter é uma excelente notícia. No entanto, considero que não devem ser os utilizadores “verificados” a pagar mensalidades, mas sim os utilizadores que aportam conteúdo menos valioso e não tão interessante para os membros desta rede social. Estes utilizadores indiferenciados (“monetizable daily active users”) são 600 vezes mais numerosos do que os utilizadores verificados do Twitter Blue (cerca de 400.000) e constituem maior fonte de rendimento mesmo pagando mensalidades tão reduzidas como, digamos, 50 cêntimos. Esta política de preço permitirá distinguir e acarinhar os utilizadores diferenciados, permitindo-lhes continuar a “pagar” exclusivamente em géneros, isto é, produzindo conteúdos que enriquecem a experiência de utilização do Twitter. De resto, suspendendo alguns privilégios de utilização aos “forretas” que nem 50 cêntimos queiram pagar, certamente alguns deles pagarão. Ora, basta que 1% o faça para as correspondentes receitas serem equivalentes à que resultaria da planeada cobrança de 8 dólares aos utilizadores verificados. Portanto, julgo que Elon Musk deveria repensar a política de preço anunciada.

Por outro lado, tendo em conta os diversos negócios de Elon Musk, alguns apontam o perigo de surgirem conflitos de interesse. Discordo de tal opinião, pois acredito que o denominador comum entre as missões de empresas como o Twitter, a Tesla e a Space X é a melhoria do futuro da humanidade e não o mero lucro. Aproximando-se várias vezes do abismo financeiro ao arriscar toda a sua fortuna no lançamento de foguetões para o espaço, Musk provou não encarar o lucro como sendo o seu principal objetivo. Para ele, o lucro tem surgido muito mais como uma consequência, no que constitui uma forma particularmente saudável de perspetivar os negócios. Enquanto o objetivo da Space X é a descentralização (interplanetária) da humanidade no mundo físico, o Twitter visa a descentralização do mundo virtual, não sendo, portanto, negócios conflituosos. Pelo contrário, são negócios sobremaneira coerentes e, quiçá por isso, se venham a revelar extremamente lucrativos.

Continuando a provar que tem a descentralização em mente, Elon Musk passou a chamar “Notas da Comunidade” ao recurso Birdwatch do Twitter, uma ferramenta digital que permite aos utilizadores adicionarem notas para contextualizar as publicações potencialmente enganosas, considerando que esta funcionalidade tem um “potencial incrível para melhorar a precisão das informações”. Funcionando graças aos juízos de valor da própria comunidade de utilizadores, este novo polígrafo descentralizado dispensa as “verdades” pautadas pelos interesses do costume.

Outro sinal da futura legitimidade dos conteúdos do Twitter é a anunciada intenção de diversificar o mais possível o conselho editorial. Também aqui a tecnologia irá fazer a diferença. Graças à criptografia avançada, uma vez ultrapassadas certas limitações técnicas em termos de largura de banda e período de latência (tempo que a informação leva entre a origem e destino), a criação de redes sociais descentralizadas dependerá exclusivamente da vontade política. Assim, a desintermediação da partilha de informação dará azo à desintermediação do dinheiro e das transações de valor, algo muito desejável do ponto de vista da sociedade civil e dos ecossistemas comunitários.

Afinal, por muito preocupante que seja a centralização das redes sociais, o maior perigo para o mundo livre advirá do presumível monopólio de moedas digitais dos bancos centrais (CBDC). A centralização do novo dinheiro programável tornará o processo de alienação da sociedade inexorável, como já acontece na China. Por isso, a quantia a pagar para subscrever redes digitais transparentes, que descentralizam a informação e o dinheiro, corresponde ao preço da liberdade ou mesmo da própria vida quando a guerra nuclear é o corolário lógico da cegueira do lucro e da ânsia do poder.