Elon Musk voa alto porque tem queda para os negócios. É um inovador que faz da contenção de custos a sua grande prioridade. Ao anunciar o negócio do Twitter como estando “temporariamente suspenso” mostra que o respetivo preço não está fechado. Também revela poder optar por outra plataforma digital ou mesmo construí-la de raiz. Até porque o valor do Twitter é muito discutível; o valor de um fórum eletrónico depende do número de utilizadores e desconhecer a real percentagem de contas e perfis falsos impossibilita o cálculo de um preço justo.

Seja como for, a intenção revelada de tornar públicos os algoritmos do Twitter mostra que o próximo “foguetão” de Musk será transparente. Isso é indispensável do ponto de vista democrático, porque só o conhecimento dos critérios de validação da informação publicada defende a liberdade de expressão na era digital.

A opacidade das redes digitais não é sustentável em democracia, sejam elas redes sociais ou redes de moedas digitais. Se estas redes forem descentralizadas facilitam o granel e a criminalidade, e se forem centralizadas impulsionam, inexoravelmente, o autoritarismo. Assim, enquanto autocratas e ditadores esfregam as mãos de contentamento face ao crescente poder da informática, torna-se imperativa uma aposta na transparência digital para defender o mundo livre.

Não é apenas a tecnologia nuclear que é um pau de dois bicos. Redes sociais e fóruns eletrónicos como o Twitter também são ambivalentes e decisivos para o futuro da humanidade, sendo tão importante detectar falsos perfis nas redes sociais como desmascarar algoritmos ilegítimos ocultos no respectivo código-fonte. Tanto num caso como noutro, a transparência preconizada por Musk é claramente bem-vinda.

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Há mentes brilhantes que compreendem quer as tecnologias quer as respetivas repercussões. É o caso de Elon Musk, que tanto sabe idealizar novos foguetões como utilizá-los para fazer a diferença (por exemplo, reutilizando-os). Antecipando o potencial da primeira fase da Internet, fundou o Paypal e fez a sua fortuna levantar voo. Agora, usará a capacidade latente desta segunda fase da Internet para equipar o Twitter, ou outro fórum global, com a transparência necessária para dar asas à paz e à liberdade.

As pessoas encaram os céus de maneiras diferentes, por vezes até contrastantes. Por exemplo, Musk lança foguetões para manter os ucranianos ligados ao mundo, ao passo que Putin os dispara com a intenção precisamente oposta. Enquanto Musk é um genuíno rocket man, capaz de colocar o seu próprio Tesla a percorrer órbitas solares, Putin ascendeu ao topo graças a expedientes burocráticos, orbitando, isso sim, as pessoas certas.

Para além de Putin, outras mentes surgirão toldadas pela vertigem do poder na era digital. Isto é deveras preocupante, pois não apenas o armamento nuclear faz da concentração do poder político uma ameaça existencial para a humanidade, como as mais recentes tecnologias de informação tornam a centralização de dados um risco intolerável para a democracia, a privacidade e a liberdade.

Quem domina a tecnologia raramente vislumbra as suas implicações estratégicas, e vice-versa (os burocratas não enxergam nem uma coisa nem outra). A limitação de tal desencontro intelectual prejudica o desenvolvimento humano, porque são as tecnologias (e não os decisores políticos) que definem os limites do possível. Por isso, é importante existirem indivíduos capazes de compreender as tecnologias de ponta e aplicá-las num sentido promissor para a humanidade, sob pena de outros indivíduos poderosos utilizarem essas mesmas tecnologias para nos levar em sentido contrário.

Vários comentadores vêm censurando a possível compra do Twitter por Elon Musk. O principal receio é a excessiva concentração de poder na pessoa mais rica do mundo. É verdade que a aglutinação do poder mediático facilita a desinformação, mas, isso já acontece e perante a resignação geral. Aqueles que encaram Musk como sendo um lobo financeiro ou tubarão político, esquecem-se que um tal predador não arriscaria a sua fortuna (várias vezes) a enviar foguetões para o espaço. O objetivo de Musk não é dominar o mundo. Quem pretende subjugar os demais, lança outro tipo de foguetes…

Penso que o plano de Musk é diferente e julgo que devemos dar-lhe muita atenção. Dominando a inovação tecnológica como ninguém, ele vem estabelecendo os limites do possível. Sendo assim, desde que ele consiga ampliar o bolo antes de o dividir, pouco interessa discutirmos o tamanho da sua fatia. Na verdade, observando o historial empreendedor de Musk, vislumbra-se um fio condutor: a preocupação com a sustentabilidade. Por isso, a sua motivação para adquirir o Twitter não andará longe da razão de fundo que o levou a criar as suas outras empresas, entre elas a SpaceX.

Elon Musk criou a SpaceX para enfrentar as consequências trágicas do inverno nuclear e outras ameaças à sobrevivência da humanidade, por exemplo, o impacto de um asteroide de dimensão considerável. A ideia é que a espécie humana possa sair a tempo do berço e partir para a colonização de outros planetas, começando por Marte, sendo que tal descentralização evitará colocar todos os ovos no mesmo cesto planetário. Claro que este projeto é arriscado e muitos consideram-no uma loucura.

Obviamente, o próprio Musk conhece os riscos desta odisseia interplanetária. Assim, terá pensado noutra escapatória descentralizadora, nomeadamente, equipar o Twitter, ou outro foguetão mediático, por forma a emancipar os seus passageiros, permitindo-lhes transportar a bordo não apenas informação, mas, também, valor. Talvez a UE ainda esteja a estudar o futuro euro digital e já um foguetão transparente deverá ter partido rumo à descentralização do próprio dinheiro.

Em vez de enviar pessoas para o espaço, o novo bólide de Musk servirá para veicular conteúdos independentes e criptomoedas, tendo os respetivos passageiros a dupla prerrogativa de partilhar informação de forma autónoma e efetuar transações entre si próprios sem intermediários. O potencial descentralizador deste foguetão transparente de Elon Musk será propulsionado por dois estágios, o primeiro consistirá num Twitter de caráter libertário e o segundo parecerá a versão “enfant terrible” do Paypal.

A ambivalência deste foguetão transparente não é uma hipótese remota. Recentemente (Maio, 2022), Musk admitiu as virtudes de uma “super app” com múltiplas funcionalidades, incluindo a possibilidade de realizar pagamentos e transações, tal como acontece na rede social chinesa Wechat, onde os utilizadores podem fazer praticamente tudo no seu quotidiano (pena é que esta rede centralizada seja um instrumento político do regime chinês, servindo, também, para monitorizar e controlar a população). Portanto, no entender de Musk, quer seja reconvertendo o Twitter ou criando uma solução de raiz, isso é algo que “tem de acontecer”.

Se há pessoa apta a realizar o take off da descentralização digital é o rocket man. Ainda assim, há que moderar expectativas, adivinhando-se uma intensa luta política. É lógico que a transparência digital trará consigo, por esta ordem, a descentralização da informação, do dinheiro e do poder, o que certamente desagrada ao status quo. Por isso, não espanta a atual desinformação sobre as criptomoedas descentralizadas, mesmo sendo estas um instrumento de eleição contra a centralização do poder.

Aliás, o próprio Musk que se cuide, pois, a desinformação certamente não o irá poupar. Para além de a transparência digital incomodar poderosos interesses instalados, o próprio rocket man torna-se um alvo fácil pelo facto de muitas pessoas confundirem irreverência com irresponsabilidade (em particular as pessoas medíocres). Portanto, a desinformação promovida para desacreditar Musk e denegrir a descentralização digital poderá surtir pleno efeito. Isto é preocupante, porque são tantas as evidências dos malefícios da concentração do poder (nos últimos meses fornecidas por um único autocrata), que seria um descalabro se a desinformação levasse a melhor neste caso.

Obviamente, o mundo livre deve ser firme na defesa dos valores democráticos e unir-se a favor da liberdade. Afinal, perder a liberdade é perder praticamente tudo. Por esta mesma razão, não nos devemos dar por satisfeitos se conseguirmos travar Putin, importando ir à raiz do problema e prevenir a ocorrência de situações semelhantes.

A evolução tecnológica torna imperativa a descentralização do poder. Esta é a única solução civilizacional aceitável, pois, a natureza competitiva dos seres humanos assume proporções desviantes em certos indivíduos que trepam os aparelhos políticos até à rampa da governação. Alguém duvida que, mesmo ultrapassados os atuais instintos belicistas, surgirão outros predadores, à escala global, com olhares vidrados pela ambição do poder?

O efeito das tecnologias centralizadoras inventadas ao longo da história, traduziu-se na concentração de riqueza e poder, sendo que essa corda foi esticada ao máximo. Que bom seria a opção nuclear exigir os mesmos consensos alargados que validam as transações de criptomoedas descentralizadas, para que a concentração da autoridade não limitasse o âmbito de um escrutínio tão decisivo. Mesmo em tempos de paz, a centralização dos dados dos cidadãos ameaça de morte a democracia. Em breve, será possível manipular digitalmente o dinheiro à semelhança da informação. Como? Através das moedas digitais dos bancos centrais (CBDC). Este novo tipo de dinheiro programável já alastra na China (e não só), exigindo-se uma dose dupla de transparência digital para imunizar o mundo livre contra as CBDC e a desinformação.

Na segunda parte deste artigo, veremos como Elon Musk e outros visionários poderão lançar foguetões mediáticos transparentes, numa odisseia descentralizadora em prol da democracia e da liberdade na era digital.