Fomos condenados.
A nossa culpa é sermos ucranianos. No dia 24 de fevereiro Putin disse que queria desnazificar a Ucrânia. Para Putin e para a maioria dos russos que o apoiam somos nazis.
Para eles somos nazis, porque falamos ucraniano. Para sobreviver temos de esquecer a nossa língua materna.
Para eles somos nazis, porque não esquecemos a nossa história. Para sobreviver temos que acreditar que a Ucrânia foi inventada por Lenin.
Para eles somos nazis, porque queremos ser livres. Para que possamos sobreviver, para eles temos que pertencer a um império.
Para eles somos nazis porque a Ucrânia, saindo do jugo de Moscovo, começou mostrar bons níveis de desenvolvimento. Para sobreviver, a Ucrânia teria, para eles, que se tornar numa província russa – destruída, com baixo nível social.
Não é de agora. Vem de longe.
O português comum conhece escritores russos: Tolstoi, Dostoyevsky, Tchekhov, mas praticamente não conhece Taras Shevchenko, Ivan Kotliarevski, Lesia Ucrainka, grandes poetas ucranianos, em cujas obras podemos descobrir quem somos. Isso não é por ignorância dos portugueses, porque mas simplesmente não havia informação.
Moscovo sempre conseguiu controlar toda a informação vinda do império. Há séculos que existe censura na Rússia. Mudaram-se czares, cores da bandeira, regimes e sistemas políticos, mas nenhum governante abdicou da censura como instrumento tradicional de poder, de controlo do povo russo e da imagem exterior do seu império. É das poucas coisas que na Rússia, de facto, funciona melhor.
A canção que agora se tornou mundialmente conhecida como hino da resistência ucraniana Viburno vermelho (Hey Hey Rise up) nasceu em 1914 quando os ucranianos perceberam que, na sequência da Primeira Guerra Mundial, se iria conseguir realizar o sonho dos Cossacos, que é o de obter um Estado independente para os ucranianos. Esta ideia logo encontrou apoio da larga população ucraniana do rio San – terra fronteiriça entre a Polónia e Ucrânia – até ao rio Don – actual parte ocidental da Rússia. São terras onde desde há séculos se falava ucraniano. São terras onde o livro de poesias Kobzar, de Taras Shevchenko (1814-1861), em conjunto com a Bíblia se encontravam num cantinho sagrado da casa de cada um dos ucranianos.
Em 1917 os ucranianos conseguiram criar a República Popular da Ucrânia e esses comuns ucranianos foram logo atacados pelos russos.
Apesar da resistência heróica em 1921 os ucranianos perderam a independência. Naquela altura ninguém apoiou os ucranianos. Assim foi que Lenin primeiro e Estaline a seguir lançaram e implementaram a narrativa de desnazificar a Ucrânia. Ser ucraniano para os soviéticos significava ser anti-social, explorador dos pobres.
O populismo soviético deu os seus frutos no genocídio chamado Holodomor, onde participaram também os próprios ucranianos, que preferiam matar o próximo para salvar a sua vida.
A Segunda Guerra Mundial contribuiu ainda mais para “desnazificar” a Ucrânia. Quando o exército russo abandona a Ucrânia, deixando população ucraniana frente a frente com os alemães, foram os nacionalistas ucranianos que criaram o exército dos rebeldes ucranianos, a UPA, para defender o povo contra os nazis. Depois da derrota da Alemanha este exército ucraniano travou a tentativa de deportação da totalidade dos ucranianos para os espaços amplos na Sibéria, como os russos tentam hoje fazer ao deportar de novo populações ucranianas feitas reféns.
Seguiu-se outra forma de exterminação dos ucranianos com a proibição da língua e cultura ucranianas. Não era declarada, era subreptícia, híbrida. Para se fechar as escolas ucranianas no Leste da Ucrânia, colocavam os pais ucranianos a escreverem pedidos aos governos locais comunistas onde diziam ensino só em russo para os seus filhos. Claro que estes pedidos eram escritos com as armas apontadas às suas cabeças.
Os escritores ucranianos também tinham de escrever em russo, caso contrário acabariam nos campos de concentração dos Gulagues. Falar ucraniano significava não ter futuro na URSS. Era desde logo suspeito.
Toda a história da Ucrânia foi trocada pela de Moscovo. Os russos não pouparam recursos financeiros para pagar subornos aos políticos locais, historiadores, repórteres e escritores no Ocidente que falavam dos ucranianos como de algo muito perigoso, gente com ar de nazis e de fascistas.
Hoje assistimos à resistência heróica do Regimento Azov, que está a salvar as vidas dos civis que não conseguiram fugir da cidade cercada de Mariupol, a Cidade de Maria. Depois de Bucha e Irpin todos somos capazes já de perceber o que iria acontecer aos ucranianos se fossem entregues às mãos sangrentas dos russos.
Em 2020 o jornal Público, em Portugal, publicou o artigo onde comparava o então Batalhão Azov com as mais perigosas organizações terroristas no mundo. Os factos que foram referidos nestes artigos tinham todos eles origem em fontes russas. Quando nós pedimos um desmentido sobre esta notícia falsa, o nosso pedido de direito de resposta foi-nos negado.
Este ano, no dia 24 de fevereiro, Putin avisou o mundo inteiro que os ucranianos teriam de desaparecer, caso contrário iria começar a Terceira Guerra Mundial – isto é o facto mais verdadeiro do terrorismo internacional à escala mundial. A mais importante questão deste novo século: como vai o Ocidente responder perante esta chantagem dos russos?
Estamos muito gratos a todos os países que receberam e que continuam a receber os refugiados ucranianos. Não é fácil. Em Portugal já não encontramos um único português que não tenha já contribuído para ajudar os ucranianos (os aliados de Putin do PCP não contam) mas o plano de Putin também incluía a deslocação de populações ucranianas para fora da Ucrânia. Vivos ou mortos, os ucranianos têm de abandonar a sua terra natal pois esta já está prometida aos russos.
Na União Europeia os ucranianos não escapam à atenção de Putin. A organização Russki Mir (Mundo Russo) já começou a atingir os ucranianos na diáspora. Para começar está a declará-los russófonos. O Russki Mir está extremamente organizado, tem fortes ligações com instituições e fundações de cultura e ciência no estrangeiro, é uma organização com grande apoio financeiro vindo diretamente da administração de Putin e da qual faz parte a Igreja Ortodoxa de Moscovo.
É difícil num primeiro olhar descobrir o que é a organização Russki Mir. Falam de cultura, da literatura, de ballet e de valores.
O diabo esconde-se, em bom português, nos pormenores. Na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra lecciona um professor, responsável pelo Centro de Estudos Russos, Vladimir Pliassov. Veio para Portugal nos tempos da União Soviética depois de trabalhar como tradutor em Moçambique. Sabemos bem que nos tempos da URSS ninguém podia, sem autorização do KGB, sair do país sem um tarefa especial, exceptuando os traidores, que não é o caso do Vladimir Pliassov. Este professor é um representante da fundação Russki Mir em Portugal.
Num artigo publicado no Notícias ao Minuto, dois meses antes da nova invasão russa, o académico designou por “pessoas normais” os seus contactos privilegiados: “ucranianos normais, não com aqueles que na rua levantam o braço esquerdo do coração para cima, a saudação de Hitler, e dizem ‘viva a Ucrânia’, ‘vivam os heróis’. Isso não aceito”, afirma”.
Sinceramente, o simples proclamar “Viva a Ucrânia” e conotar ou equivaler o levantar do braço direito com a saudação nazi é intelectualmente desonesto. O slogan “Viva a Ucrânia” tem início em 1918 e depois foi usado pelo exército dos rebeldes ucranianos que lutaram contra Alemanha nazi. O professor e académico russo tem a obrigação de tirar conclusões dos fatos e não da propaganda russa, caso contrário entendemos que esteja com alguma missão.
Atualmente quase em todo o Portugal encontramos cartazes a dizer “Viva a Ucrânia”. O significa este simples facto no entendimento do senhor Pliassov? O Russkiy Mir perdeu evidentemente na Ucrânia.
Os ucranianos, mesmo os russófonos, não ofereceram flores aos soldados russos, mas ao invés ofereceram resistência até à morte. Por esta razão foi destruída a cidade de Mariupol, por isso os soldados russos estão violar mulheres ucranianas, e por isso, com todo o sangue frio, estão a matar crianças ucranianas. É a vingança, mas Putin não é inconsciente, Putin sabe que matar 43 milhões de ucranianos é impossível, por isso, para quem sobreviva já está a máquina da Russkiy Mir a aguardar pois com o tempo vai cumprir a sua bem paga missão.
Por isso, uma ajuda forte e real à Ucrânia é proibir a organização Russkiy Mir, que apoia a guerra através da sua propaganda russa e xenófoba. No início deste mês Medvediev, um amigo próximo de Putin disse: “O objetivo da Rússia é construir uma Eurasia aberta de Lisboa a Vladivostok”, o que significa uma Eurasia russa, sem ucranianos e outros povos, que não vão aceitar o Russkiy Mir.
Então ajudem-nos a não perecer. Ajudem-nos a livrar a Europa do fascismo russo.
Viva Ucrânia, Viva Portugal!