O deputado socialista Ascenso Simões defendeu que “devia ter havido sangue, devia ter havido mortos” no 25 de abril de 1974, para nos “abrir … ao progresso” e assim “se fazer um novo país”.
Perguntemo-nos: quantos mortos seriam necessários para criar um país novo? Pelos menos dois, diríamos: Marcelo Caetano e Américo Tomás. Mas será que chegava? Claramente não, pois o deputado menciona antigos chefes militares e “medalhas fascistas” no seu manifesto sangrento: acrescentemos então algumas dezenas de oficiais e militares condecorados na guerra colonial, incluindo o célebre Marcelino da Mata e Kaulza de Arriaga, expressamente citados por Ascenso, não esquecendo os governadores das colónias, os membros da PIDE/DGS, da Legião Portuguesa, e por aí fora. Uns 50 satisfariam Ascenso Simões?
Mas, esperem! E os retornados? Expoente máximo do colonialismo e exploração dos povos africanos, símbolo das políticas salazaristas de regresso às colónias, teriam de ser eliminados para abrir passo ao progresso e acabar de vez como o ciclo do império. Otelo Saraiva de Carvalho, comandante do COPCON e conselheiro da revolução, ainda afundou alguns contentores com os despojos que traziam das colónias e prometeu que meteria os contra-revolucionários no Campo Pequeno, à semelhança do que fizera Pinochet, no outro extremo ideológico e geográfico. Pelo menos trezentos mil retornados vieram de Angola e cento e cinquenta mil de Moçambique, em estimativas por baixo. Devia ter-se criado uma comissão para selecionar os mais prósperos e com mentalidade salazarista, para serem liquidados. Poupar-se-iam as mulheres e as crianças, a fim de comprovar a magnanimidade e os bons sentimentos da revolução, e executar-se-iam algumas centenas, a título de exemplo.
No total, com cerca de 500 mortos e a dinamitação do Padrão dos Descobrimentos proposta por Ascenso, introduzir-se-ia Portugal no progresso europeu e encerrar-se-ia digna e definitivamente o ciclo do império.
A opinião da Europa civilizada sobre as execuções aqui no burgo seria totalmente irrelevante, e não poderia atrasar o nosso processo de integração europeia. Afinal, toda a Europa sabe que o progresso dos povos se consegue com o sangue dos reacionários.
O problema é o que fazer, hoje em dia, com aquilo que Ascenso Simões qualifica de “retorno ao salazarismo mental português”. É claro que temos de instaurar uma polícia de pensamento que equipare a ditadura salazarista ao nazismo, como refere Ascenso, e liquide rápida, eficaz e fisicamente os autores das quatro manifestações de salazarismo contemporâneo por ele mencionadas.
É evidente que seria uma enorme hipocrisia se chegássemos à conclusão de que o número de mortos e presos políticos na sequência destas políticas de Ascenso resultasse superior aos da ditadura salazarista. Não se podem simplesmente comparar números. Os mortos pelo regime pós-25 de abril estariam ao serviço do progresso e do país novo, enquanto os da ditadura estavam ao serviço do país velho e serviram precisamente para impedir esse progresso. Porque quanto mais mortos tivermos em nome do progresso, mais progresso teremos.