Em jeito de exercício de previsão, esta quarta-feira o Observador fez 16 perguntas essenciais para o ano que agora começa. Se me permitem, vou acrescentar uma 17ª questão: vamos ser todos chamados a pagar a factura de mais um desastre bancário? Não é propriamente uma previsão – não vão acusar-me um dia destes de ter provocado a derrocada do sistema -, é antes uma dúvida fundada.
É que estamos fartos de ser banqueiros forçados, de nos tornarmos donos de massas falidas que resultam das ilegalidades ou da má gestão alheias.
Durante muitos anos, a banca foi apontada como exemplo de sector competitivo, inovador, motor na dinâmica económica do país (sim, tivemos alguma há muito tempo) e sólido. Mesmo nos primeiros anos deste último resgate eram comum ouvir responsáveis políticos e económicos a fechar a lamentação sobre o nosso triste destino com qualquer coisa do género: “bom, pelo menos não temos um problema com a banca como a Irlanda ou a Grécia nem tivemos os excessos de Espanha no crédito imobiliário”.
Não se pode generalizar para todo o sector, mas provavelmente até tivemos os mesmos excessos. Só que fomos empurrando o problema para a frente com a barriga e aqui e ali explodem agora as bombas ao retardador. O BPN não pertence a este campeonato porque foi, desde o início, um caso de polícia. Mas o BES caiu quando começaram a ser indisfarçáveis nas contas e nos cofres as perdas com créditos concedidos a negócios que correram mal.
E o mesmo se passa agora com o Banif, depois de um processo inacreditável de três anos em que não se conseguiu encontrar uma solução sustentável para o banco. O Estado era dono mas não geria, os gestores geriam mas tinham pouco poder, a Comissão Europeia mandava mas nunca pagaria a factura e o Banco de Portugal não sabia bem o que fazer para evitar o desastre anunciado.
Mas os últimos dias do ano tinham ainda reservado um acontecimento importante, a propósito do dossier BES/Novo Banco: a transferência para o BES de cerca de 2.000 milhões de euros de dívida que tinha transitado para o Novo Banco quando se fizeram as partilhas entre o “banco bom” e o “banco mau”. As novas vítimas são os obrigacionistas que assim perdem quase toda a esperança de recuperar o seu investimento.
Trocado por miúdos: há uns anos, antes ainda de conhecidos os problemas do BES, muitos investidores compraram obrigações emitidas pelo banco. As obrigações são títulos de dívida. Quem as compra, está, na prática, a fazer um empréstimo à entidade que as emite por um prazo previamente definido – três, cinco ou mais anos, dependendo da chamada maturidade dos títulos – e recebe um juro calculado através de regras estipuladas também no início da operação.
Quando foi aplicada a medida de resolução que criou o Novo Banco, as autoridades definiram que activos e passivos transitavam para este e quais ficavam no BES, o “banco mau” onde ficou a massa falida.
Ao passarem para o Novo Banco, aqueles obrigacionistas tornaram-se credores desta instituição. Era como se, originalmente, tivessem emprestado o seu dinheiro ao Nobo Banco, que era suposto ter capacidade para satisfazer esse compromisso. Não tendo, até porque este “banco bom” tinha insuficiência de capitais, a medida decidida pelo Banco de Portugal foi fazer regressar à “casa de partida” a responsabilidade pelo pagamento dessa dívida. Mas, como sabemos, se o Novo Banco não consegue pagá-la, muito menos conseguirá o BES.
Esta medida é importante por duas razões. Primeiro porque, com duas operações de resolução executadas e em desenvolvimento – a do BES e do Banif -, podemos comparar de que forma os vários interesses em causa são mais ou menos penalizados. Depois porque, havendo uma réstia de moral nisto tudo, podemos e devemos fazer o nosso julgamento sobre qual deve ser a hierarquia dos penalizados sempre que há uma factura bancária para pagar.
Na comparação entre as duas operações o que resulta, para já – e as contas são sempre provisórias, como se viu esta semana com essa decisão do BdP sobre o Novo Banco -, é que a factura do Banif é proporcionalmente mais penalizadora dos contribuintes do que a que se pode prever em relação ao BES.
O que nos leva à segunda questão: quando um banco abre falência e deixa milhares de milhões para pagar, quem deve assumir a factura?
Sobre isto não tenho dúvidas. Questões de tribunais à parte – se há irregularidades, negligência ou crimes devem ser as autoridades e os tribunais a actuar -, os accionistas devem ser os primeiros a pagar. São eles os donos do banco e os avalistas últimos da sua gestão. Investir também é correr riscos, é ganhar umas vezes para perder noutras. Se os donos de qualquer outro negócio perdem o dinheiro quando corre mal, não há nenhuma razão para que os donos dos bancos sejam uma excepção.
Depois os credores/investidores que, como acontece também em relação a outros sectores, sabem que correm riscos quando fazem um empréstimo.
Só por fim a factura deve ser dos depositantes – estes estão garantidos até 100 mil euros de depósito por cada titular de conta – ou aos contribuintes se a avaliação de risco sistémico indiciar a necessidade de se acorrer ao banco para além destes limites.
Neste quadro, a decisão do BdP em relação aos obrigacionistas do BES é a mais acertada dentro das disponíveis. Capitalizar o Novo Banco com dinheiros públicos, através do Fundo de Resolução, era chamar a pagar ainda mais quem não teve mesmo nada a ver com o caso: os contribuintes.
Os lesados e os pagantes não são todos iguais. Por isso é importante avaliar as intervenções que estão a ser feitas para perceber se as facturas estão a ser dirigidas aos destinatários certos.
Mas acima de tudo importa perceber que há mudanças de fundo a fazer na banca, no modo de funcionamento do sector e na regulação, seja no quadro legal seja na actuação da supervisão.
Mais um banco no sapatinho? Não, obrigado. As acções dos bancos devem ser compradas voluntariamente na bolsa e não compulsivamente na repartição de Finanças.
Uma das minhas doze passas para 2016 ficou reservada para isto: o desejo que não me obriguem, enquanto contribuinte, a ser accionista de mais um banco.
Um bom ano para todos, apesar de tudo.
Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com