Tal como ao Alexandre Homem Cristo, aqui no Observador, chamou-me a atenção a notícia do jornal i de acordo com a qual o PS prefere manter a coligação com o PCP+BE a ganhar com maioria absoluta as próximas eleições legislativas. A ser verdade a notícia, parece-me grave. É um caminho perigoso, porque muitas das reformas de que o país necessita terão de ser feitas com a oposição dos partidos à esquerda do PS. Ou seja, isto mostra que o governo capitulou e desistiu de governar, passando apenas a querer manter-se no governo.

Imagino que a ideia seja a daquela máxima segundo a qual em equipa que ganha não se mexe. Mas esta máxima está errada a muitos níveis. Para começar, e por muito que nos alegre, o PS pode estar a ganhar ao PSD por muitos, mas o crescimento do país ainda é medíocre. 1,4% em 2016 é medíocre. E, se em 2017 o crescimento for de 2,8%, ou mesmo de 3%, lamento informar, mas isso não é motivo para se dormir à sombra da bananeira. Depois da violenta recessão que tivemos, estas taxas de crescimento nem para repor o Produto Interno Bruto de 2007 servem.

Para ilustrar a mediocridade deste crescimento, fiz um pequeno exercício contrafactual. Como é sabido, desde 2000, Portugal deixou de crescer. Para ser mais preciso, o PIB real entre 2000 e 2007 cresceu a uma taxa média de 1,2% (ou seja, não cresceu nada que se visse). No gráfico que reproduzo abaixo, podemos ver a evolução do PIB real e a evolução que o PIB teria tido se desde 2007 tivéssemos mantido a taxa de crescimento absolutamente medíocre de 1,2% (ponteado vermelho).

PIB Real (dados da AMECO, mas normalizada para 100 em 2007) e PIB contrafactual (cálculos próprios).

Vale a pena olhar para este gráfico. Se o ponteado vermelho se tivesse concretizado, a taxa de crescimento média entre 2000 e 2017 seria de 1,2%. Ou seja, seria um desastre e não haveria forma de descrever este período que não o de lhe chamar duas décadas perdidas. Mas, ainda assim, apesar de ser um desastre, seria muito melhor do que o que temos actualmente. Para que o PIB real atingisse o ponteado vermelho, em 2017, precisaríamos que o crescimento fosse, não de 2 ou 3, mas sim de 17%. Visto noutra perspectiva, se mantivéssemos uma taxa de crescimento anual de 3%, apenas em 2025 atingiríamos o ponteado vermelho.

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Não quero com isso desvalorizar o crescimento de 2,8 ou 3%, que Marcelo Rebelo de Sousa acredita que podemos atingir em 2017, apenas realçar que, manifestamente, não é razão para nos deitarmos à sombra da bananeira. Estes bons números são resultado principalmente da conjuntura externa, mas também interna, nomeadamente a paz social que se tem vivido. Mas, como o gráfico mostra, não são nada de especial e podem perfeitamente ser explicados pelo fenómeno da reversão para a média, que tive ocasião de discutir no artigo “A dança da chuva”.

Inevitavelmente, quando alguém fala da necessidade de reformas estruturais, muitos queixam-se de que isso é um discurso feito e que raramente se explica com detalhe quais as reformas estruturais de que o país necessita. Não pretendo, de forma alguma, ser exaustivo, mas é fácil referir algumas que muito dificilmente serão conseguidas enquanto sobreviver a actual fórmula governativa.

Segurança Social. A taxa de poupança em Portugal é ridiculamente baixa e é difícil de acreditar que a longo prazo seja possível ter um forte crescimento económico enquanto esta não aumentar substancialmente. Posso estar enganado, naturalmente, mas enquanto não houver uma reforma da Segurança Social que promova a poupança privada, não acredito que a taxa de poupança suba substancialmente. Ou seja, no mínimo é necessário uma reforma da Segurança Social que garanta o equilíbrio automático entre receitas e despesas, o que, acompanhado por uma conta virtual que nos diga qual o valor previsto da nossa pensão de reforma, deve ser suficiente para obrigar os portugueses a olharem para o futuro com mais precaução. Sobre este assunto sugiro a leitura do livro Pensões, da Margarida Corrêa de Aguiar, onde uma reforma do sistema é proposta com bastante detalhe. Idealmente, um novo paradigma da Segurança Social incluirá uma componente relevante de capitalização, garantindo quase automaticamente o aumento da taxa de poupança. A última reforma da Segurança Social digna desse nome foi feita pelo PS, pelo que é tolo dizer que nunca o PS estará disponível para reformar este sistema. Mas, claro, enquanto se mantiver a coligação com o PCP+BE, isso será impossível (pelo menos até as contas estoirarem).

Mercado de trabalho. Terá sido neste âmbito que o governo anterior foi mais longe. Mas o programa do PS era ainda mais ambicioso. Baseado em décadas de trabalho do reputado economista Mário Centeno, era proposta a criação de um contrato único para acabar com a dualidade no mercado laboral, onde convive simultaneamente um mercado laboral tremendamente rígido e um desumanamente flexível (o dos contratos a prazo e falsos recibos verdes). Eram também propostas formas inovadoras de apoiar trabalhadores de salários baixos. Com a actual fórmula de apoio parlamentar, esta reforma será impossível.

Concorrência nos mercados. Um dos problemas há muito identificados na economia portuguesa é a falta de comportamento concorrencial em diversos sectores fundamentais da nossa economia. Para tal ser combatido, reguladores fortes e independentes são essenciais. O comportamento deste Governo na nomeação dos conselhos de administração, de que o caso recente da ANACOM é apenas um exemplo, bem como a sua alergia a entidades independentes como o Conselho de Finanças Públicas ou o Banco de Portugal, mostra que neste âmbito também não há vontade de avançar. Reconheça-se em abono da verdade que, neste caso, o PS não precisa da desculpa do PCP+BE para procrastinar.

Mais alguns exemplos poderiam ser dados, como a redefinição das áreas de intervenção do Estado, mas parece-me desnecessário. Eu sou daqueles que até vêem virtudes num governo que nada faça – um dia ainda hei-de votar num partido que prometa não mexer uma palha durante 4 anos –, mas, infelizmente, Portugal ainda não está nesse ponto.

Um Partido Socialista que prefere a actual solução parlamentar a uma maioria absoluta é um PS que desistiu de levar a cabo o seu programa. É como se apresentasse um programa para governar, ao mesmo tempo que pede que dêem aos outros partidos condições para o vetar. Na prática, é deixar quem defende o essencial do programa eleitoral do PS sem ter em quem votar.