Quando no lago só restam tubarões, uma pessoa queixa-se que são os mesmos de sempre. Quando no lago já não há praticamente tubarões, uma pessoa lamenta a extinção precoce da espécie. Somos como o povo sempre a gritar pela revolução e, depois de a revolução ocorrer, a chorar as cabeças cortadas dos aristocratas. Inglaterra, França, Croácia e Bélgica. Entre as quatro selecções, dois campeonatos do mundo. Menos, só em 1966, quando dos semi-finalistas só a Alemanha tinha conquistado um, e apenas um, campeonato. No outro extremo, temos o Itália 90, em que nas meias-finais só havia campeões do mundo (Alemanha, Argentina, Itália e Inglaterra), cenário que não se voltou a repetir. Mesmo assim, o Itália 90 é considerado por muitos analistas um dos piores campeonatos de sempre (por razões afectivas e um golo de Claudio Cannigia não posso concordar), e, embora a falta de distância possa influenciar a opinião, são muitos os que consideram que este Rússia 2018 representa, no mínimo, uma subida de qualidade relativamente aos últimos mundiais. Ou seja, aparentemente o desaparecimento dos tubarões não significou uma queda abrupta na qualidade.
O facto é que eles não estão cá, onde nos habituámos a vê-los, e isso causa alguma estranheza. Desta vez, temos campeões do mundo, sim, mas de entre estes só os que ganharam uma única vez e, curiosamente, em casa. É caso para dizer que, de aristocratas, só têm o título. Ao chegar às meias-finais a Bélgica já garantiu pelo menos que iguala o melhor resultado de sempre, o 4º lugar no México 86. Já a Croácia, que também nunca passou das meias-finais, terá de ficar em 3º para igualar o seu melhor desempenho, no França 98, em que se estreou em mundiais como país independente. No capítulo das curiosidades ressalta o facto de Croácia e Bélgica chegarem pela segunda vez às meias-finais e, pela segunda vez, terem aí a companhia da França, eliminada pela Alemanha em 86 e que eliminou precisamente a Croácia em 98.
No entanto, se esta Bélgica pede meças à de 86, a Croácia parece francamente inferior à sua antepassada de 98, que ficou para a história com a estrondosa eliminação da Alemanha nos quartos-de-final por 3-0. Em termos de qualidade absoluta, a França actual não fica nada a dever à França que conquistou o campeonato em 98. Falta-lhe um Zidane, é certo, mas a contribuição de Zidane nesse campeonato, onde marcou dois golos na final, não foi tão significativa como, por exemplo, em 2006. Na frente de ataque, a selecção de Deschamps-seleccionador é até muito superior à de Deschamps-jogador. Griezmann, Mbappé e Giroud chegariam facilmente para a nulidade Stephane Guivarc’h e os então muito jovens David Trezeguet e Thierry Henry. Aliás, o ataque era mesmo o ponto fraco da selecção francesa – nos jogos a eliminar, os avançados não marcaram qualquer golo. Dois anos depois, no Euro 2000, confirmada a explosão de Trezeguet e Henry, esse problema já não existia.
Finalmente, a Inglaterra. Dizer que esta equipa não tem os valores individuais de outras equipas inglesas do passado (e limitemos o passado a 1990, ano em que a Inglaterra chegou pela última vez às meias-finais) é uma constatação quase tão óbvia como dizer que, efectivamente, já superou os melhores resultados dessas selecções que tiveram Rio Ferdinand, Sol Campbell, John Terry, David Beckham, Paul Scholes, Frank Lampard, Steven Gerrard, Joe Cole, Alan Shearer, Michael Owen, Wayne Rooney, e, também é verdade, uma série de guarda-redes, de David Seaman a David James, passando por Robert Green, com propensão sobrenatural para dar os frangos de uma vida em mundiais.
Esta nova Inglaterra começou o jogo de ontem com Jordan Pickford, Harry Maguire e Jordan Henderson. São maus jogadores? Não são, mas falta-lhes o pedigree de ilustres antecessores. E é essa falta de pedigree que talvez explique o percurso da Inglaterra neste mundial. Sempre no radar, porque uma selecção inglesa, por mais baixas que sejam as expectativas, nunca corre por fora, à equipa não lhe parece pesar a camisola, nem a tradição negativa, nem sequer os adversários, que tem despachado sem demasiado fulgor, mas com grande presença de espírito, mesmo nos momentos de maior pressão. Que outra equipa inglesa teria superado a provação de um golo sofrido no último minuto como aconteceu contra a Colômbia? Não apaixona, mas até agora não desiludiu. E isso é muito mais do que os adeptos ingleses estão habituados.