Não que tenha muito a dizer sobre o Natal e como o queria porque, na realidade, pouco tenho a dizer – as palavras saem-me ocas – e cada vez que chega novamente esta altura do ano mais acho que nos afastamos – e afasto-me também – não só da essência do mesmo como estamos – e estou – cada vez mais longe do que deveria ser o seu espírito e comemoração.

Não é surpresa para mim que não haja compreensão no mundo, e em Portugal, porquanto o que passamos o tempo a fazer é apenas acentuar diferenças e gerar clivagens. E conseguir que nos odiemos verdadeiramente uns aos outros.

Não é surpresa para mim que não se propiciem diálogos abertos, dando voz aos que são menos ouvidos. É um sintoma natural dos conteúdos e vozes sem valor, dos egos exacerbados que naturalmente se vão sobrepondo, de forma oca, aos que devíamos querer ouvir.

Não é surpresa para mim que não haja solidariedade para combater a adversidade. É sintoma da ausência de pessoas inspiradoras, motivadoras e que queiram entregar a sua vida por causas. Mas, assim como assim, vivemos num mundo sem causas. Já nem falo em ideologias porque isso há muito que morreu.

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Não é surpresa para mim que não se vejam lideranças inspiradoras e responsáveis porquanto o mundo tem paulatinamente vindo a ser liderado pela mediocridade e pela ausência de meritocracia. Culpem os que lá estão. Culpem quem não se chega à frente. Mas, antes de tudo, culpem-se todos, e cada um individualmente, por tudo o que não fez nem quis ou quer fazer.

Não é surpresa para mim que haja ódios, guerras, vinganças e total falta de empatia. Pois se o homem não consegue, sequer, ouvir e acolher outras opiniões e outras formas de pensar. Não consegue integrar. Não consegue acolher. Nem tão pouco consegue conviver com a diferença.

Não é surpresa para mim que haja uma educação generalizadamente mais fraca e com resultados globais piores, o que acentua as diferenças entre os bons e os menos bons. Esta mania de nivelar tudo por baixo, de desfazer e atacar o mérito, de procurar uma igualdade nunca existente é perniciosa e faz apenas perigar quem quer, quem tem vontade, quem almeja mais e melhor. Transformando essas vontades em frustrações, esses desejos em desânimos, essas motivações em “não vale a pena”.

Não é surpresa para mim que não se fomente a paixão pelo que se faz e antes se ande, como cão a morder a cauda, à volta do horário e do número de dias da semana para trabalhar. O discurso periférico tornou-se o objetivo central.

Não é surpresa para mim que não se procure a paz e a justiça sociais. Não é surpresa que não se respeitem os direitos humanos. Ou que não se procurem capacitar pessoas para contribuir ativamente na construção de um mundo mais equitativo e mais pacificado. Nada disso. Pois se o que estimulamos são as guerras, os antagonismos e os extremismos pergunto-me onde será que poderíamos estar senão onde estamos.

Não me surpreende que o ponteiro não mexa a nível de sustentabilidade. Há uma maioria a fingir que se faz alguma coisa, uma outra maioria a fazer cosmética, uma outra maioria, ainda, a ganhar muito dinheiro à custa do lobby das renováveis e nada disto tem qualquer sentido. Se o mundo vai ser elétrico pois não devíamos estar a falar de pequenos reatores nucleares distribuídos e altamente seguros? Aqui-d’el-rei que isso é crime! Sem saber sequer do que se está a falar e do número de vidas que, a custo contigo, se poderiam ajudar.

Não me surpreende a fragilidade humana a que se chegou, pois deixou-se inclusive de saber educar e preparar para a resiliência. Fala-se muito de muitas coisas ocas a putativamente humanizadas. Fazem-se muitos discursos inconsequentes. Mas isso não é educar para a resiliência. Educar para a resiliência e para humanização é coisa bem diferente e que não vale aqui explicar. Seria outro artigo.

Não me surpreende que este seja um Natal oxímoro. É um Natal de contradições. Mais um. Temos tudo, enquanto homens, para mudar o rumo das coisas. Não temos nada, enquanto homens, se procurarmos apenas seguir o caminho da nossa ambição pessoal e dos nossos instintos e pseudo-sobrevivência.

Finalmente, não me surpreende que o mundo pareça – e talvez esteja – sem conserto. Não me surpreende mesmo nada. Porque a grande, a melhor e a maior arma da humanidade – a estrela que nos devia guiar – está mais que inventada e chama-se perdão. E enquanto não conseguirmos perdoar-nos uns aos outros não vamos a lado algum enquanto pessoas e humanidade. É no perdão, portanto, que coloco a tónica deste Natal. E perdão, esclareço, é com o coração. Saibam os homens, e eu, o que isso é.