Esta semana, a Academia das Ciências da Suécia decidiu entregar o Prémio Nobel da Economia de 2024 aos economistas Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson. Na senda de Douglass North, vencedor do mesmo prémio em 1993, os recipientes deste ano desenvolveram um trabalho de análise das instituições e da prosperidade económica das nações ao longo da história. Porque é que alguns países são muito mais ricos do que outros? De forma muito resumida, Acemoglu, Johnson e Robinson (AJR) argumentam que não houve um determinismo geográfico ou de disponibilidade de recursos naturais na origem das diferenças de desenvolvimento entre países, uma vez que muitas das regiões mais desenvolvidas do mundo em 1500 são hoje regiões de desenvolvimento baixo ou médio. Pelo contrário, muitos dos países que hoje são ricos eram regiões comparativamente pouco desenvolvidas à escala mundial há cinco séculos. Acemoglu, Robinson e Johnson argumentam que são as instituições legais e políticas em vigor numa determinada região – coisas como a existência de um Estado de direito, direito de propriedade privada e, de forma mais controversa, alguns mecanismos de inclusão política e democrática das populações – que criam as condições para que o desenvolvimento económico possa ocorrer.
O argumento é atraente do ponto de vista normativo, afinal de contas, gostamos mais de viver em sociedades que têm esse tipo de instituições e gostaríamos que a democracia liberal fosse não apenas um bom princípio filosófico, mas também melhor do que as alternativas autocráticas em gerar coisas boas para as populações – mais riqueza, mais rendimento disponível, melhores condições de vida e melhores indicadores de saúde e educação mais elevados. Não tenho dúvidas que a influência enorme do trabalho de AJR na economia e outras ciências sociais, e, portanto, este prémio deve-se, em parte, a essa atractividade normativa do argumento, que apela às nossas intuições e desejos mais básicos. Talvez por isso o Nobel fosse inevitável, principalmente para Acemoglu, o segundo economista contemporâneo mais citado do mundo.
Claro que, como já sugeri em cima, o trabalho de AJR está longe de ter colocado estas questões pela primeira vez e, mesmo as suas respostas, são claramente inspiradas por trabalhos anteriores (e não é sempre assim o avanço científico?). Na verdade, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, as questões que AJR tentaram responder foram precisamente as duas questões mais estudadas nas ciências sociais. A primeira é a questão da origem das desigualdades: Porque é que algumas nações e populações são mais ricas e outras mais pobres? A segunda é a questão sobre a democracia: será que o sistema político democrático é também eficaz em produzir bem-estar para as populações? Sobre estas duas questões escreveram-se inúmeros livros e artigos, de muitas áreas, da história à economia, da ciência política e da sociologia à filosofia, à antropologia e até à biologia, utilizando dados de muitas regiões e ferramentas metodológicas diversas.
O trabalho que AJR realizaram, baseado em modelos teóricos e análises estatísticas de dados históricos e contemporâneos, tem muitas falhas metodológicas e empíricas e daí que pessoalmente sinta algum desconforto em elevar as suas conclusões ao estatuto de “verdade estabelecida”. O economista David Albouy, por exemplo, publicou em 2012 uma análise profunda da origem dos dados utilizados por AJR que nos faz questionar a análise empírica dos mais recentes premiados. O economista Edward Glaeser argumentou que, na verdade, a evidência apresentada por AJR não pode eliminar a hipótese de que é o capital humano das populações, e não as instituições, que está na origem da divergência de riqueza económica. Muitos outros argumentos, apontando a importância da cultura ou das ideias ou mesmo da geografia também se seguiram.
Apesar de toda a controvérsia, estes assuntos são extremamente difíceis de responder sem falhas. Afinal de contas, só temos dados de uma única versão da história – a História que de facto ocorreu. Não é possível voltar atrás e mudar eventos e acções da história para perceber o que aconteceria nesse mundo contrafactual. Por exemplo, não é possível voltar atrás e modificar os padrões que o colonialismo ou a revolução industrial tiveram em países concretos. Para além disso, é extremamente difícil “isolar” causas ou o contributo relativo de certos factores para a trajectória económica, política e social de um país. Cada região e cada sociedade tem uma combinação altamente complexa de factores, irreplicável noutros sítios e épocas históricas. Quando argumentamos que as instituições políticas e legais estiveram na génese do desenvolvimento convidamos necessariamente a pergunta: porque é que alguns países desenvolveram estas instituições primeiro do que outras? É também muito pouco provável que uma única teoria (uma “causa”), focada numa “parte” apenas da sociedade, consiga explicar as trajectórias de todas as nações. Isto é, haverá sempre casos que determinadas teorias ou factores explicativos não conseguem explicar. No caso de AJR, a teoria não parece encaixar muito bem com as trajectórias políticas e económicas da China e da India, dois casos bastante pesados para ter como meros outliers estatísticos.
Perante estas dificuldades, podemos cair na tentação de achar que tudo na História foi inevitável e “só podia ter acontecido assim”. Não sendo perfeito, o trabalho de AJR é muito mais credível e útil para o conhecimento porque assenta numa longa linhagem de livros e estudos anteriores que apontavam numa certa direcção e porque ajudou a desenvolver uma série de outros estudos que foram testando pequenas partes e hipóteses das teorias de AJR aqui e ali. O que sabemos então sobre o efeito das instituições políticas no desenvolvimento? Acho que devemos claramente separar as instituições que muitas vezes aparecem agrupadas como se fossem uma só: por um lado, instituições legais como o Estado de direito e os direitos de propriedade, por outro lado coisas como um regime democrático. Elas não são necessariamente a mesma coisa e poderão aparecer separadamente. Um artigo recente sobre os efeitos da democracia analisa 600 artigos científicos publicados desde 2000 sobre o efeito das instituições democráticas. Como seria de esperar, os efeitos são bastante diversos nos vários estudos e áreas de políticas públicas. Os efeitos mais consistentes das democracias são em áreas como os direitos humanos, a transparência e a corrupção, a saúde e o investimento directo estrangeiro. Na política monetária, ambiental, educacional, e regulatória também parece haver um efeito positivo. No entanto, há certamente muitas áreas onde as democracias não parecem ter qualquer “vantagem” comparativa, por exemplo na inflação, desigualdade de rendimentos, nutrição, desemprego ou despesa pública.
Na questão do crescimento económico – se as democracias são também melhores a gerar crescimento económico – parece haver um efeito positivo mas ténue. Como já aqui escrevi num texto anterior, há estados autoritários que conseguem taxas de crescimento económico elevadíssimas porque utilizam esse autoritarismo para levar a cabo certas políticas que as democracias nunca conseguiriam fazer. No entanto, essa teoria, que tem como seu zénite mais positivo Singapura, tem dois problemas. Por um lado, os regimes autoritários falsificam mais as suas estatísticas económicas. Por outro lado, por cada caso positivo como Singapura, há dezenas de casos negativos, uma vez que assim que damos tanto poder a um governo autoritário, as tendências humanas e sociais parecem levar que esse poder seja abusado por quem o detém, em benefício próprio e em detrimento das suas populações.
No que toca às instituições legais e direitos de propriedade, as conclusões de AJR parecem fazer sentido. De facto, para que haja crescimento económico e criação de riqueza parece condição necessária que os indivíduos sintam que podem resolver disputas entre si e com o Estado de acordo com regras não arbitrárias e confiáveis e que podem investir sem que o Estado lhes colha os frutos de forma arbitrária. Há mínimos que as sociedades têm de cumprir no que toca a estas áreas, mas há uma enorme área cinzenta. Mesmo já não havendo risco de expropriação total, o rentismo e a corrupção podem travar parcialmente o potencial de desenvolvimento de um país de rendimento médio. Instituições imperfeitas e ligeiramente corruptas, à escala global, podem ser perfeitamente sustentáveis numa democracia imperfeita e, assim, sustentar um desenvolvimento muito aquém do que seria possível.