No meu artigo publicado no Observador a 17 de setembro pp, registo o atraso na oferta de ensino superior alinhado com a opção profissional no ensino secundário que só foi resolvido com a criação dos TeSP em 2014. O relatório sobre a avaliação do acesso ao ensino superior que o Governo encomendou a um grupo de trabalho liderado pelo Prof. João Guerreiro sugere a criação de uma via de acesso para os diplomados com cursos secundários profissionalizantes (profissionais e de aprendizagem). Argumenta-se aí a favor do “aumento da equidade” no processo de acesso e na “redução das influências entre a conclusão do ensino secundário e o acesso ao ensino superior”.

Esta linguagem é estranha porque não podemos falar de equidade entre alunos que fizeram opções diferentes ao longo do seu percurso escolar. Temos sim de os apoiar quando e se quiserem mudar de percurso, mas isso é um problema muito diferente e tem de ser tratado com outros instrumentos. Também há que ter muito cuidado com a desvalorização do percurso final do secundário porque há muitos estudos internacionais sobre os preditores de sucesso no ensino superior e todos concluem que o desempenho no secundário é o melhor. É necessário reconhecer que há problemas no nosso sistema de acesso, mas ser cuidadoso na sua análise e prudente na sua resolução.

Segundo os dados da DGEEC, dos diplomados do ensino secundário pela via científico-humanística (CH) em 2013/14, 79% estavam inscritos num curso de licenciatura ou mestrado integrado logo no ano seguinte; dos diplomados pela via profissional (P), apenas 6% transitaram diretamente para um curso superior conferente de grau. As outras vias de conclusão do ensino secundário têm uma expressão diminuta no superior.

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É natural que a maioria dos jovens que optaram pelas vias profissionalizantes orientadas para a entrada imediata na vida ativa mantenham essa opção e não surjam no superior logo no ano seguinte. Contudo, poderemos considerar que a percentagem de 6% não resulta apenas da opção pessoal, mas também das condições de acesso que lhes colocam uma barreira difícil de ultrapassar. Mais difícil ainda porque as escolas secundárias não têm ainda mecanismos de apoio para que estes alunos possam preparar o acesso e essa preparação tem de ser suportada pelas famílias.

Estes dados confirmam que um CET (ou TeSP) é visto como a opção mais natural (10%) e podemos prever que esta procura venha a crescer. Rapidamente, os TeSP passarão a ser vistos pelos alunos como a via natural de progressão do secundário (P) para o ensino superior. A questão em aberto é a de saber se alguns alunos que terminam o ensino secundário pelas vias profissionalizantes gostariam de prosseguir diretamente para uma licenciatura e se terão as bases mínimas requeridas e o potencial para aí terem sucesso.

Sabe-se muito pouco do nível de conhecimentos atingido pelos alunos que não estão obrigados aos exames finais (nacionais) para a obtenção do diploma do ensino secundário e há indicações de que a heterogeneidade será enorme. A apresentação aos exames nacionais é hoje possível para todos, mas muito poucos seguem este caminho para chegarem a uma licenciatura. Nos últimos anos, o número de candidatos aceites partindo desta origem tem estado sempre entre um e dois milhares. Os concursos locais de acesso aos TeSP (e antes aos CET) foram criados para evitar o choque com um exame nacional muito bem afinado para os conteúdos e a prática pedagógica da via CH. Mas muitos dos diplomados CET têm transitado para licenciatura. Segundo a mesma fonte da DGEEC, em 2014/15 foram admitidos em cursos de licenciatura 1261 candidatos provenientes diretamente da via profissional do secundário e mais de 3100 candidatos detentores de diploma de CET, cerca de 25% do número de diplomados anuais.

Em licenciaturas do ensino politécnico público, apenas 65% dos estudantes foram admitidos pelo Concurso Nacional de Acesso (CNA) enquanto a maioria dos outros admitidos não passaram pela barreira dos exames nacionais usados no CNA. Note-se que no setor universitário público, apenas 17% terão sido admitidos por canais diferentes do CNA e a maioria destes já teriam passado antes pelos exames nacionais usados no CNA. Considerando o mix de estudantes que hoje iniciam uma licenciatura no ensino superior politécnico, parece haver espaço para admitir um número maior de candidatos provenientes diretamente da via P, desde que bem selecionados, sem impacto significativo no sucesso escolar nem necessidade de ajustar a exigência das disciplinas de 1º ano.

Como discuti algures, a maioria dos países e instituições de ensino superior usa os resultados do secundário na seleção dos candidatos, muitas vezes complementados por testes específicos para cada área do saber. Nos Estados Unidos, o instrumento de avaliação exigido em todas as universidades é um teste (SAT) desligado dos conteúdos do ensino secundário por não haver um currículo único. A alternativa de definir um currículo comum mínimo acaba por ter um impacto negativo no ensino secundário ao chamar a atenção para conteúdos muito limitados através dos quais os alunos vão ser avaliados e, indiretamente, se virá a medir o prestígio da escola. No caso presente, um instrumento de avaliação do potencial de candidatos oriundos das vias profissionalizantes teria de seguir a mesma norma.

Tomando como referência os 6% de candidatos oriundos da via profissional que no passado tiveram êxito no CNA (usando os exames do CH), poder-se-ia propor um teste do tipo do SAT americano. Admitindo que metade dos diplomados P se apresentariam a este teste, poderíamos fixar o limiar de aceitação em licenciatura no 1º quartil. Embora pareça mais prudente manter o regime de concursos locais para o acesso aos TeSP por mais alguns anos, este mesmo teste poderia vir a ser usado, fixando o limiar de aceitação na mediana dos resultados.

Poderemos pensar que cursos com candidatos provenientes de percursos muito diversos deverão selecionar todos os seus alunos usando um instrumento deste tipo (abandonando exames baseados em conteúdos que não são comuns a todos os percursos educativos prévios). Até lá, poderemos desdobrar o numerus clausus numa cota para o CNA e outra para este complemento com um percurso mais profissionalizante, seguindo a prática tradicional de criar cotas adicionais para certos concursos especiais.

José Ferreira Gomes foi secretário de Estado com a tutela do Ensino Superior nos XIX e XX Governos constitucionais