Os problemas na Saúde começam a ser impossíveis de disfarçar. Apesar da propaganda, de um Presidente ausente e uma oposição inexistente. o SNS está destruído e os coveiros foram o PS, o PCP e o BE.

No dia 9 de Junho, como Miguel Pinheiro recordou em “O Bom, o Mau e o Vilão”, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) avisava que iríamos viver dias de caos na obstetrícia e que o Ministério da Saúde estava alertado desde dia 30 de Maio. Dia 13 de Junho vemos a ministra da Saúde atarefada em reuniões, a falar depois nas televisões, e o primeiro-ministro, em Londres, a dizerhoje, [dia 13 de Junho] estão a decorrer várias reuniões de trabalho no Ministério da Saúde para responder a esses problemas. O Governo está a trabalhar”.

Parece que é isto que o Governo entende que é governar: deixar arder e aparecer como grande salvador da Pátria, a fingir que está a apagar os fogos, da sua responsabilidade e totalmente previsíveis, quando já estamos no rescaldo do incêndio – ou seja, quando os constrangimentos nas urgências hospitalares se resolvem transitoriamente até aos próximos feriados e até ao Verão. Como estas reuniões não vão resolver nenhum problema, que não fosse conhecido e não pudesse ter sido tratado previamente, temos legitimidade para concluir que toda esta azáfama do dia de Santo António foi para ser noticiada, com as devidas imagens televisivas.

Estamos perante o absoluto desprezo pelos portugueses em geral e pelas mulheres que esperam ou vão ter um filho. Um desprezo e uma indiferença dirigida a quem não tem seguros, não tem dinheiro ou que tem de seguir as regras impostas pelo Governo que obrigam a entrar no hospital público se for uma urgência transportada pelo INEM. É o tal “povo” de que falou o Presidente da República e do qual está totalmente desligado. Marcelo Rebelo de Sousa foi até “mais papista que o Papa”, ao desvalorizar o problema que se viveu em praticamente todo o país nas urgências hospitalares públicas.

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Foram vários os hospitais que encerraram as urgências de obstetrícia, indo do São Francisco Xavier em Lisboa ao Hospital do Barreiro, Setúbal, Almada, Loures e até Braga. Para não falar de problemas crónicos noutros hospitais.

Quando a ministra fala à noite, depois das “reuniões” em que gastou o dia de segunda-feira, ouve-se e não se quer acreditar. Diz a ministra que isto já acontece há muito tempo. E se é assim, porque é que não fez nada? Mas cá está a solução: a ministra, claro, anuncia um plano de contingência que não se percebe exactamente qual é, face à incapacidade do Estado em atrair médicos. Marta Temido, já se disse aqui várias vezes, vai ficar para história como a responsável governamental que pior fez ao SNS em particular e aos serviços de saúde em geral.

É graças aos seus preconceitos, ou à sua falta de coragem para enfrentar especialmente o Bloco de Esquerda, que hoje, quem vive em Loures tem problemas com o hospital Beatriz Ângelo, a parceria público-privada com a Luz Saúde que funcionava bem e agora funciona mal. É também a Marta Temido que os bracarenses têm de agradecer os problemas que o hospital de Braga agora enfrenta, quando não os tinha na altura em que era uma PPP com o grupo CUF.

O ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, em declarações à Renascença, afirma que estamos perante a possibilidade de uma “tempestade perfeita”. E, diz, “o risco pode estar em o SNS se transformar num serviço para pobres, idosos ou imigrantes, e a classe média abandonar o SNS.” O ex-ministro, pode considerar-se, foi politicamente correcto. Porque, verdadeiramente, já não estamos perante um risco, mas perante um facto. O SNS já é hoje o sítio onde se vai quando não temos hipótese de ir a outro lado, especialmente se estivermos a falar de alguns hospitais à volta de Lisboa, como é o caso do hospital do Barreiro, o terror de quem vive na zona e conhecido por funcionar mal por todos os que tinham responsabilidades de o melhorar.

Porque é que o Governo não governa, porque é que o Governo não resolve os problemas? Porque é que, sabendo que existe um problema, o Governo se recusa a dar aos portugueses serviços de saúde quando até temos propostas de soluções e capacidade instalada para o fazer? Ah, sim, essas coisas horríveis que são os privados e para onde os portugueses que podem estão a fugir.

Como é que se pode falar em combater a desigualdade e deixar ao abandono todos os que não têm dinheiro para ir ao privado ou não têm as ligações para meter uma cunha para ser bem tratado no SNS? Como é que se pode falar em políticas de promoção da natalidade e deixar as futuras mães em pânico ao ponto de já nem saberem se podem perder o seu filho, como aconteceu nas Caldas da Rainha. “É o corolário dos alertas que temos feito nos últimos meses”, foi uma das declarações feita por Roque da Cunha, do Sindicato Independente dos Médicos (SIM).

Se Portugal fosse uma democracia completa, com portugueses educados e bem informados, com efectivos pesos e contra-pesos e com uma justiça que funcionasse, neste momento teríamos vários processos contra o Estado, a começar pelo que se passou na pandemia. A teimosia do Governo de não envolver todo o sistema de saúde tem hoje as consequências à vista com o excesso de mortalidade, com especial relevo para o cancro. Quem ganhou com isso? Um dos sectores que fez dinheiro com essa irresponsabilidade foram os seguros: foram dois anos com as pessoas a pagarem o seu seguro de saúde e sem gastos. E foi António Costa e a sua ministra Marta Temido que contribuíram para esses lucros, esses sim anormais, das seguradoras.

E atenção, não vale a pena responsabilizar os médicos e os enfermeiros. Mesmo os mais dedicados estão exaustos, não apenas pelo excesso de trabalho por pouco dinheiro e a ver colegas contratados à peça a ganharem muito mais. Mais importante ainda do que o salário é que o SNS deixou de oferecer possibilidades únicas de aprendizagem, experiência, investigação e carreira. Hoje apenas oferece más condições de trabalho com o sério risco de não servir devidamente os doentes – não por acaso assistimos a pedidos de escusa de responsabilidade, um sinal bastante preocupante. Quem gostaria de trabalhar num sítio onde não consegue dar o seu melhor hoje e nem vê qualquer possibilidade de as coisas melhorarem no futuro?

O que é mais aterrador no que se está a passar é exatamente não se estar a ver o sistema com capacidade de gerar soluções. O Governo não quer governar, quer ir gerindo o quotidiano, usando a propaganda para moderar os efeitos na sua imagem. O Presidente da República parece andar a viver noutro planeta, ao ponto de conseguir disfarçar mais os problemas do que o próprio Governo. O principal partido da oposição, o PSD, tem primado pela ausência. Os órgãos de comunicação social estão sem capacidade de escrutínio, por falta de recursos. Pobres dos que precisam do SNS, pobres de todos nós, porque o SNS é apenas uma das partes visíveis do caos em que estão serviços públicos fundamentais, promotores da desigualdade, perante a indiferença das elites. Porque, inexplicavelmente, são poucos ou nenhuns os que denunciam o mal que se está a fazer ao País.