Lembrando que “a protecção da propriedade intelectual não deve parar nas fronteiras”, há vários anos que a prometida Patente Unitária Europeia é discutida e esperada tendo por objectivo a redução de custos e o estimulo à inovação e, por inerência, tornar a União Europeia (UE) mais competitiva face aos Estados Unidos e ao Japão.
Contudo, passados cinco anos desde a aprovação formal do seu regime pelo Parlamento Europeu, a Patente Unitária parece ainda longe de se tornar numa realidade para empresas e inventores no espaço da União Europeia. O regime aprovado em 2012 aguarda ainda a ratificação da Alemanha ou do Reino unido, tornada incerta pelo clima pós-Brexit.
Espanha e Itália decidiram ficar de fora do novo regime devido a questões linguísticas, podendo juntar-se posteriormente, mas nele se prevê a protecção unitária válida simultaneamente em todos os países-membros, vindo estes a partilhar um regime de tradução e sistema jurisdicional comum.
Para as empresas inovadoras, o sistema existente apresenta-se como complexo e oneroso uma vez que a actual patente europeia obriga à validação país a país, com os inerentes custos administrativos e de tradução. O novo regime prevê que um único pedido possa ser apresentado em qualquer língua da UE, acompanhado por uma tradução em inglês, francês ou alemão, custo este que se prevê poder ser reembolsado às pequenas e médias empresas europeias, organizações sem fins lucrativos, universidades e organizações públicas de investigação.
Aparte todas as vantagens práticas do novo regime, que facilitam e diminuem substancialmente o custo de protecção de patentes, potenciando a sua procura e, consequentemente, a inovação, há ainda que ter em conta as consequências da facilidade e alargamento deste processo e âmbito de protecção. Se, por um lado, ele facilita a obtenção de patentes mais alargadas e a um custo mais baixo, por outro, tornando-se essa exclusividade mais abrangente mesmo em países onde à partida a invenção não seria validada e explorada, fica encurtado o espaço de liberdade para os inventores e empresas locais que vêem assim o ‘estado da técnica’ potencialmente blindado.
Tendo ainda em conta que actualmente a maioria dos titulares de patentes europeias se encontra fora do espaço europeu, tal significa assim que, ao invés de um regime competitivo, este novo processo poderá contribuir para o fecho de áreas de investigação com a chegada de patentes em massa e o inerente exclusivo que impede a exploração por terceiros. Sobre esta matéria, note-se que em alguns países essa mesma exclusividade apenas acontece por extensão do efeito unitário e não pela efectiva exploração no respectivo mercado.
Os dois regulamentos sobre a protecção de patente unitária e o regime de tradução, bem como o acordo internacional que cria o Tribunal Unificado de Patentes, entrarão em vigor após ter sido ratificado por 13 Estados-Membros contratantes, desde que estes incluam o Reino Unido, a França e a Alemanha.
Até à data, 14 Estados já o fizeram, incluindo França e Portugal. Falta o Reino Unido e a Alemanha. Contudo, o Brexit e uma suposta denúncia do Tribunal Constitucional alemão têm contribuído para o atraso deste novo regime.
Prevê-se ainda que o Tribunal Unificado de Patentes tenha uma sede tripartida entre França, Alemanha e, pelo menos como estava previsto até ao Brexit, o Reino Unido. A distribuição das áreas a abranger seria, respectivamente: Patentes Gerais para Paris, as áreas da Engenharia em Munique e as relativas à Química e Farmacêutica, em Londres.
Tal como previsto para a deslocalização da Agência Europeia do Medicamento de Londres, poderá vir a ser Portugal uma das hipóteses para acolher a área Química e Farmacêutica do Tribunal Unificado de Patentes?
Dado o histórico de Portugal na investigação cientifica, que, através de instituições, academias e empresas do sector médico e farmacêutico, tem persistentemente cavalgado a vanguarda nestas áreas, bem como a sua localização geográfica, a aposta num turismo de saúde, o incremento da oferta hoteleira, imobiliária, cultural, ao que devia acrescer uma equidade na distribuição das agências europeias, Portugal pode bem reunir as condições necessárias para se apresentar como um dos candidatos mais bem posicionados para acolher o futuro Tribunal Unificado de Patentes.
Filipa Iglésias é advogada da Abreu Advogados na área de propriedade intelectual