Duas décadas de quase-estagnação endémica e três crises económicas depois, os dados do Eurostat mostram a dimensão da nossa tragédia: o PIB português cresceu uns míseros 0,6% em média em cada ano desde 2000, apenas à frente da Itália, que estagnou inteiramente nos últimos vinte anos, e da Grécia, que cresceu 0,1% em média. Portugal está na cauda da Zona Euro, que já de si está muito atrás dos Estados Unidos.
Isto quer dizer que dos jovens portugueses que entraram no mercado de trabalho há 10 ou 15 anos, poucos tiveram a oportunidade de crescer profissionalmente e de criar condições para sustentar uma família. Já os “millennials”, que têm menos de vinte anos e que são a população mais qualificada de sempre em Portugal, estão a entrar num mercado que não só é difícil por causa da atual crise, como tem demonstrado uma total incapacidade de aproveitar a qualidade da sua força de trabalho para fazer a economia crescer de forma sustentada.
Nestas circunstâncias não há hipótese de mobilidade social, porque simplesmente não há novas oportunidades. Viver e trabalhar em Portugal nas últimas duas décadas é praticamente um jogo de soma nula. Para alguém entrar no mercado de trabalho, outra pessoa tem de sair, o que naturalmente se traduz em ressentimento e descontentamento social.
Entramos então nos novos anos vinte com uma crise cuja dimensão ainda não conhecemos, com uma expetativa de recuperação lenta, apesar dos estímulos monetários e orçamentais sem precedentes vindos da União Europeia. É por isso urgente mudar agora as circunstâncias que já amputaram tantas oportunidades.
Passada a fase de emergência haverá muitas mudanças a fazer, mas há alguns eixos prioritários: reduzir a dívida pública e privada para que a próxima crise grave que surgir não nos volte a apanhar sem margem de manobra, criar condições para aumentar a escala das empresas, reduzir os custos de contexto (transportes, energia e comunicações) para reforçar a competitividade das empresas e tornar o mercado de trabalho mais flexível e justo para não deixar os mais jovens sistematicamente para trás.
A consolidação orçamental “à la” socialista aumentou a carga fiscal para níveis máximos (36.9% do PIB em 2019). Como agora se vê, esta estratégia não permitiu consolidar as contas públicas de forma sustentável. Numa situação de crise a receita cai a pique sem que se tenha feito uma verdadeira reforma da despesa corrente. Mesmo numa emergência absoluta, o Governo escolheu adiar os reembolsos de IRS às famílias, quer isto dizer que escolheu reter imposto que não lhe pertence, para evitar o descalabro das contas públicas.
Mas foi também este Governo que arrasou o investimento público logo no primeiro ano de mandato, de tal forma que em 2019 o investimento ainda ficou 80 milhões aquém do realizado em 2015, no último ano do Governo PSD/CDS. A falta de investimento é agora mais visível nos hospitais, tendo por exemplo obrigado o Estado a comprar ventiladores (que por sinal andam desaparecidos) a custos muito mais elevados, porque o país foi apanhado com o pé em falso, no início da pandemia, com uma taxa de camas por habitante para os cuidados intensivos das mais baixas da Europa.
Quando finalmente sairmos desta emergência é fundamental preparar uma verdadeira reforma fiscal e reduzir os impostos para muitas famílias e empresas. Portugal tem a segunda taxa de imposto sobre os lucros das empresas mais elevada da OCDE, sendo a receita do IRC em % do PIB superior à média da OCDE. Como a taxa é progressiva, isto é, aumenta conforme o lucro, isso traduz-se em mais um desincentivo ao aumento da escala das empresas. A reforma do IVA, reduzindo a quantidade de bens na taxa intermédia, permitiria reduzir a taxa normal para a maioria dos bens.
Os custos de contexto mantêm-se muito elevados para as empresas e famílias. A atual crise deverá reforçar as tecnologias de comunicação, a digitalização e a robotização. É crucial reduzir os custos das comunicações que em Portugal tem subido em contracorrente com o resto da UE. Portugal tem o preço por gigabyte dos mais elevados da Europa, o que será um importante entrave à utilização de novas tecnologias. Os mercados financeiros e sistemas de pagamentos têm sofrido também alterações profundas que ainda não se refletem totalmente em Portugal. É muito importante criar as condições para a entrada de novas empresas nestes setores, reduzindo o poder dos incumbentes, para reduzir os custos para os consumidores e empresas e facilitar a inovação.
Por fim, esta crise revelou o verdadeiro efeito da dualidade no mercado de trabalho. Um estudo recente da Católica (“Quem arcará com os custos da crise covid-19?”) mostra que os trabalhadores com contratos temporários são os que estão expostos aos setores que mais irão sofrer com esta crise. São estes trabalhadores que se dedicam a atividades que não podem ser feitas à distância, a trabalhos que são considerados não essenciais. E Portugal tem uma das taxas mais elevadas de trabalhadores com contratos temporários ou independentes, sobretudo entre os jovens e os que têm menores qualificações. À saída desta crise será necessário continuar o trabalho do anterior Governo PSD/CDS de reformar esta lei que protege alguns e deixa muitos outros de fora, porque esta dualidade é mais uma forma de impedir o acesso às oportunidades.
Para haver esperança de sair desta crise com uma hipótese de dar oportunidades às futuras gerações é preciso mudar o “chip”. Infelizmente, com este Governo e praticamente sem oposição, o que se pode esperar é a receita habitual: cada vez mais impostos para uma pequena parte da população continuar a salvar empresas falidas e para financiar os projetos preferidos do Governo socialista. É esta afinal a visão do próximo salvador da pátria, o Professor Costa e Silva, que se resume a “mais Estado”, como se a essência da dinâmica económica e da prosperidade não estivesse nas famílias e nas empresas. A receita que se prepara para apresentar já mostrou vezes sem conta o que valia: estagnação, ineficiência e conflitualidade social. É preciso mudar o rumo agora para os próximos vinte anos não serem a mesma miséria dos passados vinte.