O mundo em que vivemos está cheio de conflitos. Não precisamos de estar plenamente sintonizados com a realidade político-internacional para disso nos apercebermos. Basta constatarmos os alarmantes sinais que nos vão chegando de perto e de longe, através dos media, para compreendermos que, de facto, vivemos num mundo bastante hostil e belicoso. O ilustre pensador francês Eustache Deschamps antevendo de longe as abomináveis mutações enfatizadas pelo iluminismo do séc. XVIII, máxime na sua vertente jacobina, expressava um sentimento geral de melancolia face à depravação político-social que observava nos seres humanos do seu tempo, afirmando que existiam apenas “machos e fêmeas estúpidos”, apontando para o fim apocalíptico do mundo como sendo corolário desta postura belicosa do Homem.
A guerra a que estamos a referir aqui é no sentido stricto sensu, isto é, do conflito armado entre estados, ou no caso da denominada guerra civil, que envolve mortes de pessoas e destruição em massa. Obviamente que o título do artigo não é inocente, tendo em conta a invasão da Ucrânia pela Rússia. A pertinente questão que se levanta é a seguinte: será que podemos considerar uma guerra como sendo justa?
Na doutrina jus internacionalista há praticamente um consenso generalizado a favor do conceito da guerra justa, fruto de influência do pensamento do Santo Agostinho, John Locke, Hugo Grócio, Francisco Suares e Francisco Vitória. Para estes conceituados autores, que marcaram profundamente a nossa História, a guerra justa serve para “vingar o mal, quando um Estado tem que ser atacado pela sua negligência em reparar males cometidos pelos seus cidadãos, ou em restaurar aquilo que por maldade lhe foi retirado (…) as guerras justas podem incluir guerras por motivos de segurança, guerras para vingar o mal, ou guerras declaradas a países que recusam a passagem a outros”.
Por influência destes reputados autores, a Carta das Nações Unidas adoptou na integra este postulado doutrinário, habilitando o Conselho de Segurança a recorrer ao uso da força em caso de ameaça à paz, ruptura da paz e acto de agressão. Quanto aos Estados membros da Organização das Nações Unidas (ONU), a Carta consente o uso da força pelos Estados membros em apenas duas circunstâncias: a) em caso da legítima defesa, individual ou colectiva (artigo 51.º); b) em caso de assistência às próprias Nações Unidas (artigo 2.º, nº5), como a participação em acções por elas levadas a cabo ao abrigo do capítulo VII ou noutras, a título excepcional (as operações de paz e de ingerência humanitária, por elas determinadas ou admitidas).
Ora, a intervenção da Rússia de Putin na Ucrânia não se enquadra em nenhum destes grandes princípios axiológicos da Carta das Nações Unidas, que regem a Comunidade Internacional e vincula imperativamente todos os países do mundo. Por isso, é completamente incompreensível e despido de qualquer tipo de lógica justificativa aquilo que a Rússia de Vladimir Putin está a fazer com a Ucrânia. Invadir militarmente um país soberano ultrapassa todos limites do bom senso e da razoabilidade. É ir deliberadamente contra todos os tratados internacionais e a própria Carta Universal dos Direitos Humanos, que a própria Rússia ractificou. É uma tremenda e inqualificável violação. É uma barbárie sem precedentes que já ceifou infelizmente vidas de milhares de pessoas, deixando um rasto de destruição irrecuperáveis.
Perante a verdade exposta, nenhum ser humano que prima genuinamente pelo valor sagrado da vida humana pode ficar indiferente a estas tremendas chacinas que a Rússia está a cometer neste momento na Ucrânia e muito menos hesitar em condenar firmemente o tal despotismo e posicionar-se ao lado do invadido povo ucraniano. Não há nenhuma geopolítica ou geoestratégia que possa servir de pretexto para legitimar uma hedionda guerra e consequentemente validar a cultura da morte dos inocentes.
Confessamos que ficamos completamente estupefactos e tristes quando vemos determinadas pessoas a procurarem esgrimir argumentos falaciosos, tautológicos e inúteis para justificar o injustificável, isto é, consentir com o massacre da Rússia de Putin na Ucrânia, apontando falsamente a culpa da guerra aos Estados Unidos de América (EUA), NATO e União Europeia. E perguntamos: onde ficam então nesta história todos os inocentes e indefesos que todos os dias estão a morrer à nossa vista de forma injusta? Há, porventura, alguma desconfiança ou provocação que possa legitimar uma guerra armada? Será que a geopolítica ou geoestratégia é mais importante do que a vida humana?
Toda esta fatídica realidade só reforça a decadência ético-moral em que a humanidade vive há bastante tempo, convergindo cada vez mais para a sua completa ruína e autodestruição. Estamos mesmo a caminhar, paulatinamente, em várias frentes, para os dias do fim: fim do amor, fim da verdade, fim da paz, fim da sobrevivência, fim da humanidade e o fim do mundo.