No dia 10 de Fevereiro de 2022 acordei triste. Graças a Deus, a maioria das minhas manhãs é feliz. Como os mais novos dizem agora em inglês, sou uma “morning person”. De manhã quase tudo me parece favorável. Não significa que à tarde desanime, mas é verdade que a manhã é o período mais progressista da minha personalidade, conservador que me reconheço.

No dia 10 de Fevereiro de 2022 acordei triste porque pensava numa família da minha igreja. Essa família tinha decidido deixar de ser uma família, um dos factos mais tristes que pode acontecer. A liberdade de uma família deixar de ser uma família é o contrário da criação do mundo. Na história bíblica, o mundo começa com a invenção de uma família. Logo, uma família que decide deixar de ser uma família é, segundo esta perspectiva, um fim do mundo.

No dia 10 de Fevereiro de 2022 não vivia algo que me surpreendesse. Como pastor evangélico, assisto, ao celebrar casamentos, a muitos começos do mundo. Mas também vou tendo alguma experiência com fins do mundo, de cada vez que uma família decide deixar de ser uma família. A vida na igreja é uma sobreposição de muitas criações do mundo e de alguns fins do mundo. Os cristãos vivem momentos alfa e momentos de apocalipse quando se comprometem com a vida na igreja.

No dia 10 de Fevereiro de 2022 entristecia-me que uma família acabasse à custa de abandonos e adultérios. Naquele fim de família não havia partidos puramente inocentes nem partidos puramente culpados porque cada parte tinha pecado à sua maneira. A minha tarefa como pastor era mostrar que outro mundo era possível mas os erros acumulados cegavam os envolvidos. Eu queria mostrar vida nova mas parecia extraterrestre.

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No dia 10 de Fevereiro de 2022 era difícil animar o resto da igreja quando uma pequena parte dela, aquela família que decidia deixar de ser família, se auto-aniquilava. Eu próprio estava desanimado naquela manhã. E lia o verso 15 do Salmo 17: “Quanto a mim, contemplarei a tua face na justiça; eu me satisfarei da tua semelhança quando acordar.” As páginas das Escrituras pareciam-me impraticáveis. Estava acordado mas insatisfeito.

No dia 10 de Fevereiro de 2022 lia a Bíblia procurando consolo mas era o caos que ficava mais claro. Antes do mundo ser criado, “havia trevas sobre o abismo, e o Espírito de Deus movia-se sobre a face das águas” (Génesis 1:2). O mar agitado estava dentro de mim, aumentado pela família que tinha decidido deixar de ser família. Passaram mais de dois anos e o mundo que acabou nessa ex-família não ressuscitou. Mas até as piores marés do passado podem espelhar o rosto divino e gerar novo futuro.

No dia 10 de Fevereiro de 2022 tomei nota de como aquela manhã me vencia. Ao lê-la hoje, numa tarde do Verão de 2024, ainda está por vencer a minha esperança.