A prudência não está na moda. Nem na política económica, nem na gestão bancária, ainda menos na vida pessoal, seja de adolescentes, seja de maduros. Tal deve-se a ser frequentemente confundida com a timidez e o imobilismo, mas esta é uma visão errada. Antes, a prudência é uma virtude essencial à sobrevivência organizacional e ao sucesso na vida profissional e pessoal. Como a define o Catecismo da Igreja Católica (nº. 1806): “A prudência é a virtude que dispõe a razão prática para discernir, em qualquer circunstância, o nosso verdadeiro bem e para escolher os justos meios de o atingir. «O homem prudente vigia os seus passos» (Pr 14, 15).”

Sendo uma virtude católica, é uma virtude universal, que é prezada e recomendada por sistemas éticos em todas as épocas e em todas as culturas. Em todas? Não, apenas nas culturas florescentes, não nas decadentes. Curiosamente é uma das virtudes centrais dos bushi, aqueles guerreiros japoneses mais conhecidos pelo seu desprezo, não só pela vida alheia, mas também pela sua própria. Num documento antigo podemos ler o seguinte episódio, com a sua inseparável conclusão moral, sobre a importância da prudência:

“Em tempos agora já há muito corridos, viveu neste mundo um homem que era como marechal entre salteadores, conhecido pelo nome de Hakamadare [袴垂, floresceu no século 11]. Era subtil na mente e forte no corpo, veloz com os pés e rápido com as mãos. Era prudente no julgamento e astuto na maquinação e não existia varão que com ele ombreasse em engenho.

“Porque o seu negócio era o roubo, aconteceu uma vez ser preso e encarcerado. Quis a fortuna que, pouco depois de ser apanhado, uma amnistia geral fosse proclamada e ele posto fora da prisão. Como não tinha casa para onde ir, nem familiar ou amigo que o acolhesse, cogitou num plano para resolver a sua presente penúria. Dirigiu-se para o Monte Ōsaka e deitou-se, nu como estava, à beira da estrada, fingindo-se morto.

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“Os caminhantes que iam e vinham, ao repararem nele, acumulavam-se à sua volta e, com grande comoção e agitação, faziam grande alarido e diziam entre si: ‘Como terá ele morrido? Aparenta ter sido forte e saudável e não tem qualquer ferida ou trauma…’

“Aconteceu então passar por ali um samurai que, armado com arco e flechas e montando num soberbo cavalo, vindo da cidade imperial acompanhado por muitos homens armados e numerosa criadagem, se dirigia para o seu novo posto nas províncias setentrionais. Quando viu o ajuntamento na estrada à sua frente, e toda aquela gente a olhar para algo, parou o cavalo e, chamando o seu valete, disse-lhe: ‘Vai e indaga o que se passava ali à frente e vem-me dizer o que é que toda aquela gente está a observar.’

“O criado foi e regressou pouco depois e reportou: ‘Está ali um homem caído morto, ó meu honorável senhor, mas sem nenhuma ferida nem nada…’

“Ao ouvir isto o samurai mandou os seus homens compor a formatura e porem-se alerta, rearranjou o seu arco e flecha, deu ordem de marcha e esporeou o seu cavalo. Ao passar ao lado do morto tomou o extremo da estrada dele mais distante e, enquanto não se afastou, não tirou dele o seu olhar suspeitoso. Ao observar isto os populares bateram palmas de gozo e riram-se dizendo entre si: ‘Um guerreiro acompanhado por tantos soldados e criados vê um morto e fica assustado! Ah-ah-ah! Que grande guerreiro não será?! Ah-ah-ah!’

“E continuaram a troçar dele e a rirem-se até que ele e o seu séquito desapareceram numa curva da estrada.

“Algum tempo depois deste acontecimento os transeuntes começaram a ir à sua vida, a multidão dispersou-se e não ficou ninguém ao pé do morto. Passou então por ali um outro samurai a cavalo. Este não vinha acompanhado por soldados ou criados, mas estava simplesmente armado de arco e flechas. Cavalgou despreocupadamente até onde estava o morto e ao chegar ao pé dele disse de si para consigo: ‘Pobre homem! Como terá morrido? Não tem nenhuma ferida nem nada…’

“E com a ponta do seu arco tateou o corpo inerte do morto. Este, de repente, como se voltasse à vida, agarrou na ponta do arco, saltou para cima e puxou o samurai para baixo. Gritou o que ressuscitara para o atarantado guerreiro caído no chão: ‘Vou mostrar-vos o que faríeis a um dos inimigos de vosso pai!’

“E, desembainhando a espada do outro, com ela o matou. Depois, despiu o morto da sua roupa e armadura e com ela cobriu o seu corpo, envergou a aljava e empunhou o arco, e montando no cavalo galopou para leste tão depressa como se voasse. Foi encontrando e juntando vinte ou trinta outros homens que, nus como ele, tinham sido postos fora da prisão, e deles fez seus comparsas. Viajante que com ele se cruzasse na estrada era despojado da sua roupa e cavalgadura. Com elas, bem como com o arco e flechas e espadas que de igual modo adquiriu, vestiu e montou e armou todos os seus cúmplices. E à medida que ele e a sua quadrilha cavalgavam para longe do Miyako não encontraram oponente algum que não fossem capazes de lidar e dominar e espoliar.

“Um salteador destes consegue fazer e faz destas coisas a qualquer incauto que o deixe se aproximar. Aqueles que, não sabendo nem desconfiando, se aproximavam dele e se punham ao alcance da sua mão eram apanhados, e como poderia ser de outro modo? Porventura não apanhará o falcão a sua presa quando o pode fazer, ou a largará tendo-a agarrado?

“Quando se soube que o primeiro cavaleiro que tinha passado ao pé do morto era Muraoka no Gorō Taira no Sadamichi [村岡五郎平貞道, fl. séc. 11) as pessoas perceberam porque tinha atuado como atuou. Apesar de estar acompanhado por grande número de soldados e de criadagem, ele sabia o que sabia e desconfiava do que não sabia. Assim, nunca se deixava apanhar desprevenido. Era um homem sábio.

“Por outro lado, o samurai que viajava sem acompanhantes, e que se aproximou do morto sem nada desconfiar, era verdadeiramente o senhor de uma cabeça oca e teve o fim a que estava destinado.

“Conta-se ainda que aqueles que primeiramente tinham troçado do prudente acabaram por o louvar, e que o ter-se perdido o nome do segundo é por todos tido como sendo uma bênção para a sua família.”

Continua o nº. 1806 do Catecismo: “A prudência é a «recta norma da acção», escreve São Tomás seguindo Aristóteles. Não se confunde, nem com a timidez ou o medo, nem com a duplicidade ou dissimulação. É chamada «auriga virtutum – condutor das virtudes», porque guia as outras virtudes, indicando-lhes a regra e a medida. É a prudência que guia imediatamente o juízo da consciência. O homem prudente decide e ordena a sua conduta segundo este juízo. Graças a esta virtude, aplicamos sem erro os princípios morais aos casos particulares e ultrapassamos as dúvidas sobre o bem a fazer e o mal a evitar.”

Professor de Finanças, AESE Business School