“The world is a looking-glass and gives back to every man the reflection of his own face”.
William Makepeace Thackeray, em “Vanity Fair”.

Por estes dias, o espaço público tornou-se uma feira de vaidades, onde várias personalidades políticas se digladiam para merecer a “confiança” dos cidadãos nas próximas eleições legislativas. Assistimos, também, a várias tentativas de manipulação da atenção, numa guerra desigual, onde vencem sobretudo os que são capazes de apresentar ao público as propostas políticas mais demagógicas, ou o insulto mais marcante. O debate público está dominado por perceções, em que as pessoas, sobretudo as que estão mais expostas às redes sociais, ao WhatsApp e aos media mais generalistas, se deixam afogar num “mar de irrelevâncias”.

Atenção, não ignoro que Portugal vive um momento difícil. Mas importa assinalar que as coisas podem ficar muito piores se nas próximas eleições os portugueses que se dão ao trabalho de ir às urnas cederem à tentação de fazer do voto um momento de desabafo e penalização do nosso sistema político, ou em sentido inverso, acreditarem que o seu mero voto entregue a líderes providenciais projetará um reinício purificador. Tudo poderá piorar se os eleitores prescindirem de encontrar, nas limitações da oferta partidária atual, soluções estáveis de governação.

Desde longa data que sabemos que os inimigos da liberdade ganham espaço na desilusão, sendo por isso inevitável que a acumulação de erros por parte dos partidos da governação estejam, hoje, a permitir que os partidos de protesto ganhem simpatia entre os eleitores. Num tempo de obsessão pelas redes sociais estas têm sido, também, ferramentas poderosas ao serviço da propaganda. Transportando os seus apoiantes para um universo paralelo, onde os factos e a objetividade se tornam irrelevantes, os partidos mais radicais podem prometer-lhes tudo e o seu oposto, dar sinais contraditórios que dificilmente serão escrutinados, apresentar gente medíocre como se fossem génios saídos da Ágora de Atenas, pois não é na racionalidade que se decide este tipo de voto. Nas redes sociais os problemas sociais são ampliados, distorcidos, viciados, esvaziados de qualquer complexidade, até serem aptos a criar uma sensação de caos que reforça o medo no outro, sentimentos de pertença, manipulando o ego dos utilizadores. Tudo isto funciona como uma droga, em que os utilizadores, ao aderirem a movimentos políticos com mensagens progressivamente mais fortes, passam a sentir-se “especiais”, parte de algo que será maior e ao qual têm a sorte de pertencer. O processo é em tudo semelhante a qualquer dependência tóxica. Implica progressivamente suspender o discernimento, deixar-se seduzir por um engano e aceitar tribalizar-se. Em troca, passam a participar de uma vertigem que oferece uma aparente carga moral superior que aspira a expurgar todos os males de uma sociedade que percecionam como podre e destruída nos seus alicerces fundamentais.

Por estes dias, não nos vão faltar promessas apelativas, com políticos a oferecer sem pudor o Céu na Terra. Todos sabemos – ou deveríamos saber – o que implicam semelhantes devaneios. Não será caso para falar no Diabo, mas como dizia um homem sábio, “a tentativa de fazer o céu na terra invariavelmente produz o inferno”.

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Desconfiem, por isso, de quem agora promete o que não fez quando devia, na gestão das escolas, nos hospitais, na promoção da habitação, na defesa da dignidade do exercício dos cargos políticos. Tão pouco se deixem seduzir por quem vos vende um cenário de catástrofe, que quer não só o vosso voto, mas o vosso ódio, medo, e repulsa por uma sociedade que, nos seus defeitos, é aquela onde vivemos e queremos melhorar.

O voto verdadeiramente livre e saudável não é nem um ato revolucionário nem um gesto utópico. É um momento maçador em que temos a chatice de escolher os que se apresentam como mais capazes, ou pelo menos, menos incapazes (depende da oferta política do momento), para gerir toda uma coisa pública. Sei que não é um apelo entusiasmante, e que não tenho por isso capacidade de concorrer com que exibe testosterona um pouco por aí, entusiasmando as massas com tiradas fáceis.

Um voto responsável é um voto sóbrio. É, desde logo, um voto que questiona promessas irrealistas feitas à custa dos cofres públicos, como aumentos significativos nas reformas ou investimentos em infraestruturas de valor questionável. É também um voto que rejeita soluções simplistas para questões complexas, como imigração ou habitação, e que desconfia de quem promete resolver problemas com os “gordos lucros da banca” ou com os “ganhos extraordinários das gasolineiras”. É um voto que escrutina com atenção, não só as propostas, como as pessoas que podem fazer a diferença na governação.

Um voto sóbrio e responsável sabe que o futuro de Portugal depende da nossa capacidade coletiva de gerar riqueza, e não dos gastos desmedidos do Estado. Tem ainda presente que Portugal, para vencer, tem de ter uma abordagem atrativa e cosmopolita, algo que é essencial na hora de criar riqueza, pois a riqueza nunca germina em sociedades dominadas pela desconfiança ou pelo ressentimento.

Na hora de votar, não se deixem capturar num turbilhão de emoções. Um voto sóbrio pode não ser tão emocionante, mas é seguramente o único que permite – eventualmente – construir soluções para melhorar os problemas de um país há vários anos capturado na governação.