O amanhecer desta semana foi quiçá o acordar mais surpreso que Portugal poderia sequer imaginar. Inesperadamente o dito impossível aconteceu, e claro que agora todos sabem explicar aquilo que antes muito provavelmente nenhuma alma previu. Será uma vitória da estabilidade? Uma vitória da esquerda sobre a direita? O castigar da extrema esquerda? Uma vitória do medo? Uma mobilização do voto útil à esquerda? A vitória do voto envelhecido sobre o jovem? Enfim, certo é que para alguns foi um acordar feliz, para tantos outros uma verdadeira comédia dantesca, que ressuscita os fantasmas das penosas maiorias absolutas do PS e dos estragos que o poder absoluto provadamente gera. Há hoje um perigo no horizonte de proporções irreversíveis.

Um debate mais profundo sobre as estratégias e campanhas de cada um dos partidos poderia até explicar o que nos trouxe a este cenário e é certamente essencial debater de que forma poderão agora as demais forças políticas construir uma oposição eficaz e ambiciosa perante aquele que é a perfeita encarnação do partido-estado. No presente importa também que nos debrucemos sobre um outro tema – sobre o qual poderá até muito já se ter escrito, mas aparentemente não o suficiente – digno de um minuto de silêncio e de vergonha alheia. O que diriam os nossos antepassados se soubessem que na era em que vivemos, perto de metade de nós abdica de escolher o futuro dos nossos filhos? Que legado nos deixaram aqueles que lutaram para que a escolha fosse um direito? Ao ver o sucedido julgariam que ninguém sabe que coisa quer, e revoltosamente repudiariam. Uma coisa é certa: Portugal perdeu. Perdeu ao ter 42,04% dos seus eleitores a fazer uma qualquer outra coisa que não contribuir para o futuro da sua nação e dos seus filhos. Perdeu quando quase 4 milhões de portugueses não fizeram ouvir a sua voz. Perdeu quando achamos que reduzir a abstenção é uma vitória absoluta, mesmo que seja ainda a terceira abstenção mais alta de sempre, quiçá nas eleições mais relevantes dos últimos 20 anos pela viragem sobre a crise pandémica (que desejamos próxima) e pelo emprego dos muitos milhões que estão para vir (rezemos face à sua aplicação). Perdemos, sobretudo, quando não há a coragem política necessária nas lideranças deste país – mesmo no contexto atual – para dizer que a democracia perdeu e assumir que é preciso trabalhar em novas formas de trazer os eleitores às urnas. Sim, Portugal perdeu. Perdeu em toda a linha.

De facto, o povo português tem traços que nem mesmo a história parece abalar. Inexplicavelmente bem retratado pelo psicólogo holandês Geert Hofstede como um dos países com maior aversão ao risco e menor visão a longo prazo. Assim é o português: um pacífico revoltado, adepto confesso de resultados no curto prazo e com horror a mudanças – mesmo quando elas possam ser essenciais (tema para outra discussão). Um povo nas palavras de Guerra Junqueiro “imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo (…) um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai” [Pátria, 1896]. Como diz o povo: “o futuro a Deus pertence”, mas estaremos cá – não os que, entretanto, emigrarem – para ver o resultado do que concedemos no passado domingo. Daqui a 4 anos faremos o balanço (esperemos ainda poder fazer contas) que desesperadamente precisamos positivo, para não cimentarmos de vez o lugar na cauda da Europa e o nosso perfil de imobilismo e sobrevivência. Estaremos certos de que com maioria mais do que absoluta nos anos de governação pós 25 de Abril, a responsabilidade do estado da nação será somente de um partido, o Partido Socialista, ou já não o é?

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