Tendo em conta o atual estado da governação, aqui deixo um pequeno exercício na tentativa de melhor compreender como aqui chegámos. Para tal, personifico os motivos e incentivos que levaram 2.302.601 alminhas a votar PS (pelo menos como eu os imagino).

Priscila Santos, 57 anos, natural de Vila Pouca de Aguiar, professora de ciências naturais. Em greve há quinze dias, reclama progressões na carreira, a contagem dos anos de serviço, as colocações e uma dúzia de rochas magmáticas para o laboratório da EB23 onde leciona. Votou no PS por achar de mau gosto o gato de Rui Rio chamar-se Zé Albino, nome do seu segundo filho.

Paulo Simões, 65 anos, escalabitano de gema, agricultor. Protesta contra o aumento dos combustíveis, adubos e fertilizantes. Era capaz de esganar com as mesmas mãos com que lavra a terra a ministra da agricultura. Votou PS por temer a mudança. Foi, assim, fiel à sua filosofia de votar sempre no partido que governa e à Dalila, mula que puxa o seu arado.

Patrícia Soares, 43 anos, orgulhosamente bracarense, juíza no Tribunal da Comarca de Braga. Protesta contra as alterações nos escalões de IRS e falta de condições nos tribunais. Apesar de já estar habituada a trabalhar de gabardina nos dias de chuva, insiste em que a cobertura do edifício seja reparada. Votou no PS pois, ao contrário de muitos, não esquece que foi o Passos Coelho que lhe tirou um subsídio de férias e outro de Natal. Julga ainda ser parente distante do Mário Soares.

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Porfírio Silvério, 75 anos, nascido e criado em São Brás de Alportel, reformado. Reclama o aumento das pensões, isenção de IVA para andarilhos e bengalas. Quando questionado sobre o estado do país, responde entristecido: “Isto não tem salvação”. O seu maior sonho é ter médico de família. Votou no PS pelo aumento extraordinário da sua pensão de 0,8% que, fazendo as contas, corresponde, na realidade, a uma diminuição de 15 euros no seu poder de compra, mas o pobre pensionista baralhou-se nas conversões em escudos e julgou ficar com mais 47 euros no final do mês.

Pilar Sarmento, 38 anos, alfacinha de gema, médica de clínica geral no Santa Maria. Reclama um aumento de vencimento, o pagamento de horas extra, e recursos e pessoal no SNS. Não fosse o seu medo de andar de avião e já tinha emigrado. Votou no PS por receio da 4ª República que o Chega implementaria caso a direita tivesse maioria, e ainda como agradecimento pelo reconhecimento tanto do primeiro-ministro como da ex-ministra da saúde pelo esforço feito pelos médicos e enfermeiros durante a pandemia. Não esquece a final da Champions em 2021.

PS: se por obra do acaso descrevi o caríssimo leitor em alguma destas curiosas personagens do quotidiano, as minhas sinceras desculpas, a não ser que tenha mesmo votado no PS…