A Quinta da Governação é um local pacato e recôndito onde, no fundo, nunca se passa nada, mas acontece de tudo um pouco. O dono da quinta, um professor universitário, que sempre preferiu o litoral ao campo, raramente lá vai. Anda demasiado ocupado com beijinhos e abraços. A quinta, está por isso entregue a um caseiro, um homem frio e cheio de manhas. Alguém que nunca fez nada na vida se não aquilo, destinado a propriedades mais modestas, por onde aliás começou, e das quais nunca sairia se não tivesse corrido com o antigo caseiro da Quinta da Governação.

Recentemente, houve uma mudança de pessoal, o caseiro achou por bem que os novos trabalhadores fossem todos da sua terra natal, para melhor se entenderem. O problema é que estes não percebem patavina de como se governa uma propriedade com estas dimensões, de modo que andam de um lado para o outro a apanhar bonés e a fazer figuras tristes. Os animais chegam mesmo a sentir vergonha alheia por estas pobres alminhas. Entre as peripécias mais rebuscadas, estão um ex-trabalhador que se achou superior ao próprio caseiro, ao ordenar a construção de um novo alpendre para abrigar o trator; um trabalhador que foge à verdade, confrontado com factos sucedidos sob a sua alçada, uma trabalhadora que tinha obrigação de saber de agricultura, mas que não só não sabe, como prefere ignorar as súplicas dos animais; outro trabalhador que está em guerra aberta com os animais que tem à sua responsabilidade, e outros tantos que se ocupam de podar as árvores de fruto com uma faca do pão. Graças a casos como estes e face à miséria que se faz sentir na Quinta, o descontentamento entre os animais é crescente. Ao contrário do que promete o caseiro, vive-se muito pior na quinta: as árvores dão cada vez menos frutos, as pastagens vão diminuindo e secando, não há estábulos suficientes para todos os animais, e muitos continuam sem veterinário. A acrescentar a tantas falsas promessas, o caseiro fez questão de comprar mais um berbicacho na forma de um trator. Trator que o antigo caseiro tinha vendido por não estar em condições, e que depois, por orgulho e vaidade, não só foi recomprado como recuperado, numa obra que custou uma fortuna à Quinta, só para voltar, mais tarde, a ser vendido. Apesar de alguns animais já terem dado pelo estado da Quinta, outros, que apenas se preocupam com a sua ração, continuam iludidos e alegram-se com a ideia de terem na sua tigela mais meia dúzia de migalhas. O que é, bem feitas as contas, falso.

A Quinta da Governação está desgovernada e nem o proprietário, nem o caseiro e muito menos os trabalhadores serão alguma vez capazes de governá-la. Há quem diga que o caseiro anda a planear uma mudança de ares para um “chateau” em Bruxelas. Outros que irá fazer uma mudança de pessoal depois das vindimas. O proprietário? Esse nem vê-lo, agora que caminhamos para o verão, mais facilmente o apanhamos todo lambuzado na esplanada de uma gelataria ou a banhos em Cascais. No meio disto tudo quem sofre são os mesmos de sempre, os animais.

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