Perdoem-me o anglicismo, mas, por vezes, há expressões noutros idiomas que traduzem exatamente o que queremos dizer, sem que tenhamos de perder tempo a pensar na melhor forma de transmitir uma ideia em português. É o que se passa aqui.

Há alguns anos, quando trabalhava numa das Big Four, a generalidade das questões colocadas pelos clientes sobre temas fiscais era relativamente simples, pelo menos quando comparada com os dias de hoje. A simplicidade das questões não se devia à falta de complexidade do sistema fiscal, mas sim à menor sofisticação das operações e à quantidade de informações disponíveis para os contribuintes.

Naquela época, a maioria dos contribuintes raramente possuía o nível de conhecimento técnico ou o acesso a consultoria especializada que possui hoje. Actualmente, as solicitações são muito mais complexas, o que resulta, entre outros factores, de uma maior experiência e grau de informação dos contribuintes, as quais são de louvar. Esta evolução é um reflexo do crescimento da economia, da globalização e do aumento do acesso à informação.

Ainda assim, naquela altura, como até há alguns anos, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) estava dotada de um sistema telefónico informativo eficiente, que respondia ou apontava pistas para a resolução de questões sobre qualquer tema, e os serviços de finanças trabalhavam bastante bem, sendo possível ao contribuinte contactar com o serviço competente num prazo muito curto.

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Os processos de reclamação graciosa, recurso hierárquico e outros eram decididos em prazos razoáveis, digamos seis ou sete meses. Este nível de eficiência era possível graças a uma combinação de factores, incluindo um corpo de funcionários experientes e a quem era dada formação adequada, um sistema administrativo menos sobrecarregado e uma cultura organizacional orientada para a resolução de problemas dos contribuintes.

Ao longo dos anos, vários factores foram afectando a eficiência da AT. Com a reforma de funcionários mais antigos e conhecedores dos vários impostos, houve uma perda significativa de know-how e experiência. A degradação das condições de trabalho dos que se mantêm ou iniciam a carreira na AT também contribuiu para a queda da qualidade do serviço. Além disso, o número cada vez mais reduzido de pessoas dedicadas ao atendimento ao público (há serviços com muito poucos funcionários) significa que há menos recursos disponíveis para ajudar os contribuintes (nunca como hoje se privilegiou o contacto não pessoal, de preferência através do serviço e-balcão).

A eventual falta de conhecimentos de alguns técnicos (não necessariamente conhecimentos sobre matérias de fiscalidade, mas até conhecimentos sobre o modo de funcionamento das empresas e sobre a “vida real”) agrava ainda mais a situação. Apenas uma vez um Director de Finanças, numa reunião, referiu olhar para os contribuintes como seus “clientes”, cujas questões importa resolver para que possam continuar a gerar receita fiscal. Frequentemente, nos contactos com a AT, se sente o contrário – por princípio, o contribuinte é incumpridor e deve ser castigado. E este não pode ser o pressuposto base.

Finalmente, a pandemia trouxe desafios sem precedentes, obrigando a adaptações rápidas e muitas vezes improvisadas, que impactaram negativamente a qualidade do serviço prestado.

Ainda hoje, quem precisa de se deslocar a um serviço de finanças tem de agendar dia e hora, pelo menos na maior parte dos locais. Mesmo que o técnico responsável pelo processo esteja disponível, em regra o tema não ficará resolvido nesse dia. Pela via telefónica, não se consegue chegar à fala com o serviço de finanças e convida-se o contribuinte a utilizar o tal serviço e-balcão, dificultando a comunicação direta e o esclarecimento rápido de dúvidas.

A digitalização dos serviços, que deveria ser uma ferramenta para aumentar a sua eficiência, muitas vezes se torna um obstáculo devido à falta de uniformidade na sua implementação e à variável competência técnica dos funcionários envolvidos – já para não falar da competência informática dos contribuintes e capacidade de utilizar a internet. Sim, porque existe um mundo (menos urbano, mais idoso, menos informado, com menos acesso a material informático) para o qual o contacto pessoal e as cartas ainda são a única forma de resolver temas oficiais.

Acresce que os processos administrativos, como reclamações graciosas, recursos hierárquicos, pedidos de informação vinculativa, entre outros, são decididos muito depois de terminado o prazo previsto para o efeito. É certo que, passado algum tempo, se presume o respectivo indeferimento, o que permite ao contribuinte avançar para tribunal, mas, regra geral, a preferência vai para a resolução célere e por via administrativa do contencioso fiscal. Esta demora gera frustração e incerteza para os contribuintes, que muitas vezes precisam de uma resposta rápida para poderem tomar decisões informadas e continuar com as suas actividades empresariais ou pessoais.

Em resumo, a vida dos contribuintes tem-se tornado bastante complicada e tudo funciona de um modo muito lento. É evidente que existem imensos funcionários atenciosos, diligentes e competentes, que ajudam a resolver os temas de forma rápida e eficiente. Infelizmente, nem sempre isso sucede e alguns assuntos arrastam-se durante meses ou anos até serem finalizados.

Em paralelo, a máquina da AT é muitíssimo eficiente a liquidar e a cobrar impostos aos contribuintes que, repete-se, são frequentemente tratados como incumpridores quando não o são. Esta percepção de que os contribuintes são “culpados até prova em contrário” cria um ambiente de desconfiança e adversidade, em vez de colaboração e compreensão mútua. E o facto de terem de pagar o imposto rapidamente para não serem confrontados com execuções fiscais, mas demorarem meses a serem reembolsados dos valores pagos indevidamente quando ganham um processo traduz-se numa grande injustiça, que o pagamento de juros indemnizatórios não compensa.

Uma AT eficiente e que cumpra os princípios a que se encontra obrigada, como a colaboração, a informação ou a descoberta da verdade material, é da maior importância, quer para o contribuinte residente, quer para o não residente, frequentemente investidor, que valoriza o conhecimento das regras do jogo e a rápida resolução de quaisquer assuntos que o impeçam de se concentrar no que é relevante: o seu negócio. Um sistema tributário eficaz e justo é um pilar fundamental para o desenvolvimento económico e social, e a melhoria contínua dos serviços prestados pela AT deve ser uma prioridade para garantir a confiança dos cidadãos e investidores no sistema fiscal.

Sobretudo, uma relação de colaboração entre os contribuintes e a AT, que funcione verdadeiramente nos dois sentidos, será sempre a melhor solução para todos. Os primeiros porque terão acesso à informação e segurança necessárias para cumprirem as suas obrigações fiscais de forma correcta e porque verão os processos de natureza fiscal rapidamente resolvidos. A segunda porque, dessa forma, verá reduzir as situações de incumprimento e a quantidade de contencioso, o que terá um impacto positivo na receita fiscal.

Que se passe a considerar, assim, essencial uma relação colaborativa entre a AT e os contribuintes, na medida em que a actual relação competitiva claramente não serve a ninguém.