Em agosto deste ano, o senhor Metaverso lançou uma parceria entre o Whatsapp e um mercado eletrónico indiano, de nome Jia, para venda directa de produtos na rede social. É uma inovação e tanto. Qual será o significado estratégico para a Meta desta proposta de valor?
Em primeiro lugar, convém perceber em que ponto está o Whatsapp na Índia, pois a sua proposta de valor é diferente. É que a Meta tem inovado na Índia, não escondendo as suas intenções de estender os sucessos conseguidos ao resto do mundo. Aliás, a Índia demonstra ser uma escolha acertada para inovar, pois é um país onde o inglês é a língua franca para cerca de 1400 milhões de cidadãos, tendo, portanto, um potencial de negócio a fazer lembrar o da China.
O Whatsapp já anda atrás do comércio eletrónico há algum tempo, e em todo o lado, na verdade, tentando atrair a comunicação entre clientes e fornecedores para o Whatsapp Business. Aliás, o Facebook tem conseguido gerar rios de dinheiro com os seus anúncios, mas o Whatsapp não os tem. Assim, enquanto o Whatsapp oferecer todos os seus serviços aos consumidores sem beneficiar de publicidade, não tem como rentabilizar o seu investimento de biliões, nem a sua operação. Portanto, o Whatsapp Business terá sido apenas a génese de uma Super App, tal com o China com o Wechat e o Alipay, e Singapura com o seu Grab. E porque não seguir o mesmo caminho também no mundo Ocidental?
Porém, transformar o Whatsapp numa Super App não vai ser pera doce, pois uma coisa é facilitar a comunicação entre clientes e fornecedores e outra completamente diferente é ser plataforma para verdadeiras transacções. Para isso, é preciso poder realizar pagamentos no Whatsapp, em vez de obrigar os consumidores a saltar para as aplicações dos fornecedores, ou mesmo para a Web. É, aliás, esse o conceito de Super App, onde é possível interagir com os mini-sites de cada fornecedor disponível (e.g., o Wechat alberga quase um milhão deles).
Pois bem, o senhor Metaverso já anda atrás dos pagamentos há pelo menos uns 8 anos, altura em que conseguiu uma licença na Irlanda para o espaço SEPA. O próprio Whatsapp Pay foi anunciado com pompa e circunstância na Índia em 2018, apesar de só ter entrado em funcionamento em 2020. Mais recentemente, o Facebook Pay no Brasil (e o Metaverso em todo o lado) parecem ir no mesmo sentido, e de forma algo sub-reptícia. É que só há Super App se os pagamentos fizerem parte da proposta de valor.
Na verdade, até agora, o Whatsapp Pay na Índia apenas contemplou os consumidores finais, cujas transferências têm sido realizadas gratuitamente entre contas bancárias, e é, portanto, semelhante ao nosso MBway. Aliás, se o Whatsapp Pay aparecesse por cá munido do devido licenciamento seria um ataque direto à SIBS no que diz respeito aos pagamentos com Smartphones (e uma alternativa completa ao PSD2, diga-se).
Ora, esta parceria do Whatsapp com a Jia na Índia já permite englobar toda a jornada do consumidor, desde a pesquisa, passando pela compra e acabando no pagamento, tudo no âmbito da rede social. Bingo! Assim que um consumidor inicia a conversação com o número de telefone da Jia, esta utiliza um Smart Bot que ativa automaticamente um mini-catálogo, permitindo realizar encomenda com todos os seus detalhes (nota: um Smart Bot é um interlocutor automático que utiliza normalmente inteligência artificial para gerir a conversação).
Agora só falta que os indianos se habituem a este tipo de interação no Whatsapp e os outros fornecedores indianos se juntem ao ecossistema. Será que tem também pernas para andar nas outras geografias, a começar pela nossa?
Pois bem, não vai ser fácil enquanto a questão dos pagamentos estiver compartimentada como está no mundo ocidental. E até na Índia o crescimento vai estar limitado, senão vejamos.
O número de utilizadores atuais do Whatsapp na Índia ronda os 400 milhões, o que não é nada mau. Porém, o número de utilizadores com a sua conta bancária no Whatsapp não passa para já dos 20 milhões. Entretanto, a NPCI (National Payments Corporation of India) deu autorização para que Whatsapp possa registar mais de 60 milhões de contas bancárias, no número total que provavelmente poderá vir a chegar aos 100 milhões, o que não deixa de ser um número incrível. Porém, este número não representa sequer 10% da população. Aliás, um aluno meu da NPCI garantiu-me que o regulador nunca deixará nenhum fornecedor de pagamentos superar os 17% de quota de mercado, pois é essa a firme orientação política. Assim, por muito que o Whatsapp tenha conseguido criar efeitos de rede através dos pagamentos entre consumidores, não vai conseguir escalar essa mesma rede de pagamentos na Índia por falta de licença por parte dos reguladores. Não obstante, o número de utilizadores na Índia já será significativo para rentabilizar as suas operações e não deixa de ser um interessante teste escala.
Será que a nossa regulação no espaço SEPA vai permitir a um qualquer Whatsapp da vida substituir todos os fornecedores de pagamentos eletrónicos de uma assentada? A julgar pelo PSD2 e pela estratégia anunciada pelo Banco Central Europeu há menos de um ano no contexto Euro Retail Payments Board, não parece ser esse o caminho do sistema financeiro no espaço SEPA. Consequentemente, por cá, o caminho da Super App parece estar vedado ao senhor Metaverso.