A crise financeira americana atravessou o Atlântico e, em 2010, chegou em força à Europa. O alarme soou na primavera desse ano. A Grécia encontrava-se em apuros e precisava de ser resgatada. Seguiu-se a Irlanda uns meses mais tarde. Por fim, Portugal, a 6 de abril de 2011.

A crise na zona euro demonstrou que a ligação entre bancos frágeis e Estados com contas públicas desequilibradas expunha os bancos a grandes perdas com a dívida pública que tinham nos seus balanços, o que, por sua vez, criava problemas maiores nas finanças públicas caso os bancos precisassem de capitais públicos para sobreviverem. Era urgente agir “para restaurar a confiança nos bancos e no euro”. Foi nesse contexto que, a 30 de maio de 2012, a Europa tomou a decisão de criar a União Bancária.

Uma União estruturada em torno de três dimensões: um mecanismo único de supervisão (SSM, da expressão “Single Supervisory Mechanism”), um mecanismo único de resolução (SRM, do original “Single Resolution Mechanism”), e um mecanismo único de garantia de depósitos. Três pilares que serão implementados de forma faseada e que, em última análise, pretendem restaurar a confiança e a estabilidade no sistema financeiro, proteger os contribuintes de serem chamados a pagar a fatura das falências do bancos, minimizando o uso de dinheiros públicos, bem como proteger os depósitos.

Relatório Liikanen defendia, em 2012, a necessidade de uma “supervisão mais exigente” para “salvaguardar os depositantes” e assegurar a “estabilidade do sistema financeiro” europeu.

Ao Banco Central Europeu, caberá a função de supervisionar todo o processo. Será o super-polícia dos bancos europeus: independente das pressões dos Estados-membros. O primeiro pilar, o mecanismo único de supervisão, já está em marcha. A partir de Novembro deste ano, o Banco Central Europeu vai assumir a supervisão direta de 130 bancos, entre eles cinco portugueses, e a supervisão indireta de mais de seis mil outros bancos, que será feita através das autoridades de supervisão locais (NCA-National Competent Authority).

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A Dama de Ferro portuguesa

A eurodeputada Elisa Ferreira liderou o grupo do Parlamento Europeu (PE) nas negociações que permitiram chegar a um entendimento com os Governos sobre o segundo pilar da União Bancária, o mecanismo único de resolução dos bancos. Ao Observador conta como o PE teve um papel “completamente decisivo” e foi, também, “um grande teste às novas competências que o Tratado de Lisboa deu ao Parlamento Europeu”.

“Se não tivéssemos poder de co-decisão, a solução, sobretudo ao nível do Mecanismo Único de Resolução Bancária, seria extraordinariamente complexa”, contou ao Observador. “A meu ver”, continua, “haveria uma espécie de reprodução dos malefícios da inter-governamentalidade que esteve patente em tudo quanto se fez relativamente à dívida soberana. E aí, assistimos a situações em que alguns países condicionaram a agenda, tal como aconteceu com a Alemanha.”

Após longas horas de negociações, o resultado foi “um sistema de resolução também único e forte”, que se junta a uma supervisão única e forte. A 15 de abril deste ano, dia em que o Parlamento Europeu aprovou a regras do segundo pilar, Elisa Ferreira sublinhou que “o regime [de resolução bancária] centra no BCE a declaração da inviabilidade de um banco, liberta o processo de resolução de possíveis e prováveis interferências políticas dos Estados-membros e acelera substancialmente a constituição da parte comum do fundo de resolução”. A proposta da Comissão previa que todos os Estados-Membros teriam de se reunir e de decidir num espaço de tempo curto, durante um fim-de-semana, da [in]viabilidade de um banco, o que em termos práticos seria de difícil exequibilidade e poderia originar medidas inadequadas com impacto na estabilidade financeira.

“O regime tornou-se mais europeu, mais credível e mais eficiente.”

Elisa Ferreira, 15 abril 2014

Bancos com identidade europeia

A nova legislação e os mecanismos aprovados pretendem quebrar “completamente a relação entre os bancos e os Estados onde estão sediados, esperando que, a partir daqui, também haja condições de concorrência bancária muito mais assentes na credibilidade da instituição e não na robustez do Estado onde opera ou na sua capacidade de intervir nos problemas da banca”.“É uma peça fundamental do restabelecimento de condições concorrenciais no mercado bancário”, afirma Elisa Ferreira ao Observador.

“As condições de financiamento das empresas e particulares da área do euro deixam de ser influenciadas pelo risco do soberano onde se localizam”, da mesma forma que “o soberano torna-se imune a incidentes no sistema bancário”, sublinhou o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, numa apresentação feita no Brasil, em abril deste ano.

Da mesma forma, Duarte Pitta Ferraz, professor de Finanças da Nova School of Business and Economics e membro do comité de fiscalização do Banco Europeu de Investimento (BEI), diz ao Observador que a grande vantagem é essa: separar a ligação entre o “rating” dos países e o dos bancos. “Vai permitir que dois bancos iguais a operar em países com ‘ratings’ soberanos diferentes tenham o mesmo ‘rating’”, ou seja, sejam tratados da mesma maneira e com acesso igual aos mercados de capitais. Além disso, acrescenta, outro objectivo basilar da União Bancária é o de “restabelecer a confiança e garantir a estabilidade do sistema financeiro europeu.

“Bancos passam a ser tratados todos da mesma forma e com as mesmas regras.”

Duarte Pitta Ferraz

Para um país pequeno como Portugal, sublinha, por seu lado, Raoul Ruparel, a União Bancária pode ser uma mais-valia. “Poderá encorajar mais pessoas a investir nos bancos portugueses”, diz ao Observador o analista do grupo de reflexão britânico Open Europe. Além destes, há outros pontos fortes no projeto de integração financeira. O facto de existir “uma autoridade central independente que vai supervisionar da mesma forma e com os mesmos critérios, com um ‘livro único de supervisão’ os bancos todos da zona euro”, leva “a que a possibilidade de surpresas de haver problemas de solvência de um banco seja mais reduzida”, nota Duarte Pitta Ferraz. Mas talvez aquela que mais impacto tem para os contribuintes é “o fundo de garantia comum”. É “uma grande vantagem, porque garante aos depositantes que os montantes de dinheiro disponíveis para os ressarcir, caso haja um problema num banco no seu país, não é gerido pelo país em que o banco está situado, mas por uma entidade externa”, destaca ainda o especialista em Finanças.

Terceiro pilar da União Bancária fica para o próximo Parlamento, que será eleito a 25 de maio.

Embora o terceiro pilar, o mecanismo único de garantia de depósitos, só seja fechado pelo próximo Parlamento Europeu, escolhido nas eleições de 25 de maio, foram já aprovadas regras de garantias de depósitos. Por isso, acrescenta o professor de Finanças da Nova School of Business and Economics, “haja o que houver, pelo menos recebem 100 mil euros do fundo de garantia, por titular de conta”, tendo a garantia adicional de que se trata de “um fundo gerido por uma entidade exterior ao país”.

Mas, como em tudo na vida, não há bela sem senão. Embora a União Bancária tenha a ambição de conseguir separar completamente a ligação entre estados e bancos, permanece uma incógnita que é a de saber se o irá conseguir fazer em pleno. Vendo os progressos a partir de Londres, Raoul Ruparel, do Open Europe, sublinha que o BCE está “no bom caminho”, pelo “menos nas áreas chave”, mas o analista vê com alguma cautela a capacidade de ação do mecanismo único de supervisão numa situação de crise severa. “Não é claro que, numa crise severa, o novo sistema seja capaz de responder de forma rápida o suficiente” ou que consiga “deixar de lado as pressões políticas e as dificuldades que têm assolado a zona do euro durante a atual crise”. Se vai conseguir ou não, só o futuro o dirá.

Esta união é positiva para os bancos portugueses?

O presidente da Associação Portuguesa de Bancos, Fernando Faria de Oliveira, acredita que sim. Ao Observador diz ser “vantajosa para todos os países que a integram”. O impacto da União Bancária na banca nacional “espera-se positivo”, proporcionando “maior confiança no sistema bancário e diminuição da indesejada fragmentação dos mercados”.

União Bancária vai ser vantajosa para os bancos portugueses.

Fernando Faria de Oliveira

Uma das dúvidas em torno do projeto da União Bancária é a de saber se vai permitir detetar problemas como existiram em bancos na Irlanda ou no caso do Banco Português de Negócios (BPN). Faria de Oliveira, que já esteve à frente da Caixa Geral de Depósitos, sublinha que, desde “o início da crise da dívida soberana, em 2010, um dos objectivos passou a ser, também, aumentar a clivagem entre crises do sector financeiro e crises soberanas”. No entanto, alerta o ex-banqueiro, “se o reforço da supervisão permite antecipar e estar melhor preparado para precaver problemas de bancos, os [problemas] que derivarem de crises macroeconómicas profundas ou de ‘casos de polícia’, de muito difícil detecção, podem originar falências”.