Mesmo que tivesse acompanhado todos os debates no hemiciclo neste ano parlamentar através do Canal Parlamento, não teria conseguido ouvir 15 dos 230 deputados sentados nas cadeiras. Isto porque mantiveram-se silenciosos e não fizeram uma única intervenção.
Desta minoria silenciosa, nove são deputados do PSD (o maior grupo parlamentar) e seis do PS, segundo dados disponíveis no site do Parlamento. Os dados recolhidos baseiam-se nos registos que constam na página oficial da Assembleia da República e dizem respeito a esta sessão legislativa que está prestes a terminar e que começou dia 15 de setembro. Neste grupo encontram-se tantos deputados mais experientes como outros mais “verdes”.
No PS, trata-se do ex-líder Eduardo Ferro Rodrigues, que, na qualidade de vice-presidente da Assembleia, não participa tão ativamente nas discussões no hemiciclo, do ex-ministro da Justiça, Alberto Costa, e dos deputados Glória Araújo, João Portugal, Miguel Coelho e Fernando Jesus.
No PSD, contam-se os casos de Bruno Vitorino, Cláudia Monteiro de Aguiar, Correia de Jesus, Gabriel Goucha, Laura Esperança, Maria João Ávila, Odete Silva, Paulo Mota Pinto e Vasco Cunha.
Nos restantes grupos parlamentares, CDS-PP, PCP, Bloco de Esquerda e Verdes, que têm menor representatividade na Assembleia, as intervenções são mais repartidas, e todos os deputados falaram pelo menos uma vez este ano.
Decisão da direção
A maioria dos deputados aceitou responder ao Observador sobre as razões do silêncio e, na maior parte dos casos, explicou que a ausência era resultado das opções da direção da bancada, e que o trabalho na Assembleia da República não se limitava ao que era dito em plenário do Parlamento – as comissões de trabalho especializado são o outro lado da barricada.
Paulo Mota Pinto, que foi indicado na semana passada para chairman do BES, garante que nunca rejeitou qualquer intervenção e remete de imediato a questão para a direção do grupo parlamentar, “que é quem incumbe designar ou sugerir quem faz intervenções em plenário”. E acrescenta que este ano legislativo se concentrou mais nas reuniões da comissão parlamentar que dirige, a dos Assuntos Europeus.
“Não me recordo de alguma vez ter rejeitado ou de ter fugido a fazer qualquer intervenção no plenário que me tenha sido sugerida ou pedida”, disse Mota Pinto.
Presidir a comissões parlamentares é, de resto, um argumento partilhado por outros deputados silenciosos. Vasco Cunha, que dirige os trabalhos na Comissão da Agricultura e Mar, falou pela última vez no Parlamento em fevereiro de 2012. Mas isso porque, diz o deputado, “há uma reserva” na Assembleia de que os presidentes das comissões parlamentares – “excepto o da Comissão de Orçamento e Finanças, que é por norma da oposição” – não intervém sistematicamente em plenário. Ao Observador, o deputado social-democrata admitiu que dá prioridade ao trabalho especializado e que, nos casos em que o Parlamento discute assuntos relacionados com esses trabalhos, “o presidente não se costuma sobrepor aos deputados” da comissão.
O socialista Alberto Costa, ministro da Justiça no primeiro Governo de José Sócrates, é claro na justificação e passa a bola à direção da bancada socialista:
“O número de intervenções em plenário coincide, em absoluto, com o número de solicitações para esse efeito da direcção do grupo parlamentar do PS”, diz ao Observador.
Miguel Coelho serve-se do mesmo argumento, acrescentando que está neste momento a aguardar por um pedido de intervenção feito à direção do grupo parlamentar do PS a respeito da contestada lei das rendas. Também a deputada Glória Araújo remete a questão para a direção parlamentar e justifica o seu silêncio mais prolongado no Parlamento por baixa e gravidez.
Os restantes deputados com quem o Observador conseguiu falar não apontam baterias às escolhas tomadas pela direção mas relativizam o tempo de intervenção no hemiciclo “para cumprir calendário”. “Nem sequer é uma questão que me preocupa”, diz Gabriel Côrte-Real Goucha, que está a exercer funções no Parlamento, pelo PSD, desde abril de 2013, e que ainda não falou em sessões plenárias. “Tenho mais atenção ao trabalho em comissão e ao grupo de trabalho que coordeno”, justifica.
A opinião é partilhada pelo socialista Fernando Jesus, que diz ter desempenhado a função de “fiscalizar o Governo” com a apresentação de vários requerimentos ao Executivo, e acrescenta que “abdicou” de algumas intervenções “a favor de outros deputados que nunca haviam intervido”.
“O trabalho do deputado está longe de se resumir às intervenções em plenário”, defende Bruno Vitorino, do PSD, ao Observador, acrescentando que valoriza “o trabalho de proximidade e de contacto direto com as populações”.
“Não valorizo intervenções de dois minutos, em réplica ou outro, para cumprir calendário…”, diz Bruno Vitorino.
A opinião é partilhada por Laura Esperança, que não intervém em plenário desde maio de 2013: “Não creio que isso possa ser visto como negativo, é apenas fruto do acaso, já que não influencia nem a minha produção nem a minha motivação para esta missão”. Até porque, diz a deputada ao Observador, “sempre tive muita visibilidade e sou referida com muita frequência na comunicação social”. A deputada social-democrata remete assim a decisão de quem intervém ou não para o presidente do grupo parlamentar, neste caso Luís Montenegro, e para os coordenadores das comissões especializadas a que pertence, nomeadamente a relacionada com a Saúde, onde garante intervir “com regularidade”.
Também Odete Silva e Maria João Ávila justificam a sua ausência da frente visível do Parlamento com o facto de só intervirem nos assuntos da comissão a que pertencem. A primeira justifica-se por ter mudado de comissão parlamentar e, por isso, haver “prioridade dos deputados que já estavam por dentro dos trabalhos” e a segunda, que é eleita pelo círculo fora da Europa, por tratar das questões particulares da emigração, que, diz, não são discutidas com tanta regularidade em plenário. Foi o caso da questão do ensino da língua portuguesa no estrangeiro, sobre a qual falou em janeiro do ano passado.
Segundo os registos do Parlamento, há ainda três deputados do PSD, José Matos Correia, Mota Amaral e Maria José Moreno que são dados como não tendo falado nesta sessão legislativa. Mas, ainda em junho, o primeiro interveio no debate sobre a moção de censura ao Governo e o segundo falou sobre referendos regionais. “A informação está desatualizada”, explicou ao Observador. Maria José Moreno afirmou, por sua vez, que fez uma declaração dia 23 de janeiro.
Segundo o site do Parlamento, o deputado do PS Sérgio Sousa Pinto também não interveio nesta sessão legislativa. Contactado pelo Observador, disse que “preside à comissão dos Negócios Estrangeiros” e que falou uma vez, nesta sessão legislativa, sobre o “voto de solidariedade à Ucrânia”, em fevereiro. Sobre o facto de os dados publicados no site da Assembleia estarem incorrectos no seu caso afirmou que “isso não interessa”.
Contactado pelo Observador, o gabinete do secretário geral garante, ainda assim, que a atualização “é feita em tempo real” e que desconhece falhas.
“Informa-se que não se conhecem situações como aquelas que refere. Na verdade, a informação relacionada com a actividade dos deputados é carregada em tempo real, pelo que a atualização deveria, em princípio, estar automaticamente garantida”, respondeu, por email.
Quer dizer que não trabalham? Não necessariamente
Para além das reuniões plenárias, o trabalho parlamentar passa também pelo trabalho desenvolvido nas comissões e sub-comissões parlamentares, assim como nas delegações sobre matérias específicas. Envolve por isso a intervenção dos deputados nas audições das comissões a que pertencem, para além das intervenções que possam depois fazer em plenário. Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República, tem sublinhado várias vezes a importância da transparência e de os cidadãos terem a possibilidade de acompanhar o que se passa dentro das quatro paredes de São Bento, pelo que grande parte dos trabalhos são transmitidos pela televisão no canal Parlamento.
Mas pela televisão só é possível acompanhar os debates em plenário e algumas das reuniões das comissões parlamentares – não todas porque muitas decorrem em simultâneo. O que pode acontecer, por isso, é que muitas das pessoas que acompanhem os trabalhos pela televisão fiquem apenas com ideia do que se passa no plenário. Interrogam-se sobre as cadeiras vazias, sobre os deputados que não intervém, sentados nas filas de trás, e muitas vezes fixam-se nas trocas mais apimentadas de argumentos.
Apesar de esse ser o lado mais visível do Parlamento, que o deputado do PCP e vice-presidente da Assembleia António Filipe descreve como o “espaço nobre” para os deputados se mostrarem e serem vistos, “quem acompanhar os trabalhos pela televisão vê também o trabalho das reuniões das comissões”. Resta saber se há ou não muita audiência neste canal e se o trabalho dos bastidores do plenário chega de facto ao cidadão comum.
Para Guilherme Silva, deputado do PSD e vice-presidente da Assembleia, não há dúvida de que “o plenário é o palco privilegiado dos deputados, eles têm essa consciência e usam-na” em seu favor. Mas, diz o deputado, o trabalho não se esgota nas intervenções filmadas no hemiciclo e a maior ou menor presença depende das funções que cada um tem. Dirigentes e líderes das bancadas falam mais, até porque a escolha dos intervenientes passa pela direção, diz.
São também estes dirigentes, “em particular os dos partidos maiores”, que têm a maior fatia da atenção mediática e que, por isso, chegam a mais pessoas, afirma o deputado do PCP António Filipe.
A introdução do canal Parlamento no leque de cinco canais transmitidos em sinal aberto na TDT foi para Guilherme Silva uma situação “feliz”, uma vez que “está a permitir às pessoas, aos poucos, irem tendo consciência de que a realidade dos deputados não passa só pelo plenário”, disse ao Observador.
* Este artigo foi atualizado com declarações dos deputados Sérgio Sousa Pinto e Maria José Moreno.