O Banco de Portugal atuou como financiador de último recurso e emprestou 3,5 mil milhões de euros ao Banco Espírito Santo (BES) pouco antes de decidir a criação do Novo Banco, porque o BCE deixou de financiar o banco. Caso o BES não repague o empréstimo, o banco central arrisca-se a perder dinheiro.
“Na impossibilidade de esta acentuada pressão sobre a liquidez do BES poder ser acomodada pela instituição com o recurso a fundos obtidos em operações de política monetária, por esgotamento dos ativos de garantia aceites para o recurso do BES às operações de política monetária, o Banco Espírito Santo, SA, viu-se forçado a recorrer à cedência de liquidez em situação de emergência (ELA – Emergency Liquidity Assistance) por um valor que atingiu, na data de 01 de agosto, cerca de 3.500 milhões de euros”, diz uma ata da reunião do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 03 de agosto, divulgada por um escritório de advogados e a que o Observador fez referência no passado sábado.
A possibilidade de o Banco de Portugal atuar como financiador de último recurso está previsto na sua lei orgânica. O princípio é poder dar liquidez em caso de emergência, mas esta só pode ser dada a bancos considerados solventes.
Os cerca de 3,5 mil milhões de euros que o BES recebeu chegaram através deste mecanismo, conhecido em inglês por Emergency Liquidity Assistance.
O balanço era feito a 01 de agosto, sexta-feira. No domingo, dois dias depois, era decidida a criação do Novo Banco, que fica com os ativos de qualidade e os depósitos, enquanto o BES fica com os ativos tóxicos, e que deverá ter a responsabilidade de devolver o empréstimo.
Este tipo de liquidez só pode ser dado por um banco central nacional (que não o BCE) através da cedência de dinheiro do banco central ou de “qualquer outro tipo de assistência que pode levar a um aumento do dinheiro do banco central”, como explica o próprio BCE na sua página oficial.
Ou seja, o Banco de Portugal pode estar a utilizar o seu próprio dinheiro ou mesmo a criar dinheiro novo que pode chegar ao BES através de um depósito, por exemplo.
Com a utilização deste tipo de liquidez, acaba por ser injetado mais dinheiro no sistema que não pela mão do BCE, e sem a autorização do próprio. Sendo este um assunto dos bancos centrais individualmente, o BCE tem apenas direito de veto.
Para que o BCE possa exercer o seu direito de veto é preciso que dois terços dos governadores que compõem o conselho de governadores decidam que este financiamento pode pôr em causa ou a estabilidade de preços ou a estabilidade financeira.
“Os bancos centrais nacionais podem realizar outras funções que não as especificadas neste estatuto a menos que o Conselho de Governadores considere, por uma maioria de dois terços em votação, que estes interferem com os objetivos e as tarefas do SEBC”, lê-se no artigo 14.4 do Estatuto do Sistema Europeu de Bancos Centrais.
A cedência de liquidez por parte de bancos centrais nacionais não é muito comum e não é objeto de divulgação pública. Um dos poucos bancos centrais nacionais a assumir o uso desta linha foi o Banco Central da Irlanda em 2011. Mesmo nas contas dos bancos centrais não existe uma referência a quanto dinheiro é emprestado aos bancos através deste sistema.
Como a ELA não faz parte das regras normais do Eurosistema, quaisquer perdas que resultem destes empréstimos também não serão partilhadas pelo resto dos bancos centrais do euro, como acontecem noutros casos, como foi por exemplo os lucros dos programas de compra de dívida pública no mercado secundário do BCE durante o período mais crítico da crise na zona euro.
Isto implica que, no limite, o próprio Banco de Portugal esteja em risco de perder dinheiro com o BES.
Tudo depende da forma como foi feito este empréstimo e os detalhes ainda não são conhecidos.
Em vários pareceres, alguns datados de 2010, o Banco Central Europeu defende que os Estados devem dar uma garantia pública a este empréstimo. O BCE não pode exigir esta garantia, mas alerta nestes pareceres que este tipo de empréstimos sem uma garantia de Estado não só podem resultar em perdas para o banco central em causa, como violar as proibições de financiamento monetário.
Em alguns países, caso da Irlanda, este financiamento foi assumido com uma garantia estatal associada.
O Observador questionou o Banco de Portugal e o Ministério das Finanças sobre o tema, mas até ao momento ainda não foi possível obter qualquer esclarecimento.
Na quinta-feira da semana passada, Carlos Costa foi ouvido na Assembleia da República sobre o caso BES e, nos esclarecimentos que deu aos deputados, não fez qualquer referência ao empréstimo de emergência dado ao banco, na quinta-feira dia 31 de julho. O governador também não referiu o montante de 10.000 milhões de euros que o banco tinha de devolver ao BCE, disse apenas que foi informado pelo Banco Central Europeu do fecho da torneira no dia 1 de agosto, sexta-feira, e que teria de tomar uma decisão até segunda-feira.
As regras impostas pelo BCE
A cedência de liquidez de emergência é uma matéria que diz respeito aos bancos centrais nacionais, mas estes têm de cumprir um conjunto de regras decidas pelo BCE.
Para além das já referidas, onde o BCE pode decidir vetar a operação caso tenham mais de dois terços dos governadores contra e se colocarem questões sobre a estabilidade financeira e a estabilidade de preços, os bancos centrais têm dois dias úteis para comunicar ao BCE a decisão de cederem liquidez de emergência aos bancos.
Na comunicação feita ao BCE, o banco central nacional tem de dizer a quem será feito o empréstimo, o valor e a maturidade do empréstimo, o tipo de moeda em que será feito o empréstimo e as garantias que são dadas por esse empréstimo, a taxa de juro a pagar pelo empréstimo, a razão específica para ser dado este empréstimo (fuga de depósitos, uma margin call, etc) e a avaliação do supervisor sobre a posição de liquidez e de solvência da instituição, incluindo os critérios usados, para se chegar a uma avaliação positiva.
Para além disto, toda esta informação tem de ser atualizada diariamente e o conselho de governadores do BCE pode exigir mais informação ao banco central nacional.
Caso o empréstimo seja superior a dois mil milhões de euros – como aparenta ser o caso do BES – o conselho de governadores do BCE tem de avaliar se este empréstimo interfere com os objetivos para o Eurosistema.