A relação entre governantes e a crítica nunca foi pacífica, que o diga Marcelo de Rebelo de Sousa: o comentador garante ter sido afastado da TVI em 2004 devido a pressões do Governo de Santana Lopes. Este fim de semana, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, classificou alguns jornalistas como “preguiçosos” e “uma Maria vai com as outras”, acusando-os de distorcer os factos, e alargou a sua censura aos comentadores. Mas não é caso único.
A história das relações entre políticos e jornalistas/comentadores é preenchida de casos em que a inimizade era conhecida e assumida – basta recordar José Sócrates, Santana Lopes, Rui Rio ou Alberto João Jardim. O Observador relembra, agora, alguns dos episódios mais conhecidos.
Quando Cavaco Silva, então primeiro-ministro tornou célebre a expressão “forças de bloqueio”, referindo-se à oposição de Mário Soares e de António de Sousa Franco, então presidente do Tribunal de Contas, não esperava certamente que anos mais tarde fosse um ministro socialista a usar uma frase semelhante.
“Temos de enfrentar e vencer politicamente todos os cúmplices dos bloqueamentos – e os cúmplices são as forças conservadoras de todas as matrizes, digam-se à esquerda, à direita ou à esquerda. Essas forças conservadoras preferem o imobilismo à mudança”.
Estas palavras foram proferidas por Augusto Santos Silva, em 2009, na altura ministro dos Assuntos Parlamentares do Governo de José Sócrates. Santos Silva denunciava a existência de uma cultura mediática “que se instalou e que nos convida à desistência, resignação” e que “tudo pinta a negro e que silencia tudo o que significa mudança, iniciativa, talento e futuro no país”. Lembra-lhe alguma coisa?
No Governo de José Sócrates, nem os jornalistas em Bruxelas escaparam. A 25 de março de 2011, o primeiro-ministro socialista falou de forma ríspida com uma jornalista estrangeira que lhe perguntava sobre a saúde económica do país, acusando-a de enfraquecer a imagem de Portugal com aquelas especulações. “[Nós] não andamos por aí a pedinchar, temos dinheiro suficiente (…) [Essas] perguntas, são perguntas para enfraquecer a posição portuguesa e portanto rejeito-as desta forma”, garantido que “Portugal tem [tinha] condições para se financiar nos mercados”. A outro jornalista, este de uma agência alemã, terá dito, na mesma ocasião, que “o que causa a especulação são essas perguntas e esses rumores (…) Não, isto tem de parar e vai parar aqui” e “espero que isso seja claro, está bem?”.
Todavia, no dia 6 de abril do mesmo mês, José Sócrates formalizou mesmo o pedido de assistência financeira à Comissão Europeia, confirmando todas as suspeitas.
Por cá, o agora comentador da RTP chegou a dizer, em 2009, que estava a ser alvo de uma “campanha negra orientada por poderes ocultos”, referindo-se às notícias sobre o caso Freeport. No ano seguinte (2010), desta vez a propósito das notícias que davam conta do seu alegado envolvimento no caso Face Oculta, Sócrates criticava o “jornalismo de fechadura” baseado em “escutas telefónicas e conversas privadas” sem relevância criminal. Processou, aliás, uma dezena de jornalistas por causa dessas notícias.
Esta relação conturbada entre Sócrates e Jornalistas durou até ao fim do mandato. Quando se falava da futura carreira académica que se preparava para abraçar em Paris, depois de deixar o Governo, o socialista desafiou os jornalistas a rejeitarem a “mexeriquice”.
Pedro Santana Lopes vs. Marcelo Rebelo de Sousa
É público que a relação entre Pedro Santana Lopes e Marcelo Rebelo Sousa já conheceu melhores dias. Aliás, Marcelo garantiu que deixou a TVI depois de sofrer “pressões” do presidente da TVI, Miguel Pais do Amaral para moderar o teor dos seus comentários políticos sobre o governo de Pedro Santana Lopes.
A saída do comentador aconteceu em outubro de 2004, pouco depois de Marcelo ter questionado a decisão de Santana Lopes de retirar o dossiê da Galp ao ministro do Ambiente, Nobre Guedes, afirmando que tal não se fazia “nem aos meninos da escola”. Este é apenas um exemplo das muitas críticas que Marcelo teceu ao executivo de Santana Lopes, que viria a cair a 12 de março de 2005, apenas 8 meses depois de ter iniciado funções.
O ex-presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz parece não ter esquecido a forte oposição de Marcelo, que sempre considerou um dos responsáveis pela dissolução do seu governo. A 24 de janeiro deste ano, o agora provedor da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa voltou a reavivar a polémica, num post publicado no seu facebook, acusando o comentador de criticar tudo e todos e de ter feito “tudo para deitar abaixo” o seu governo.
“E quanto a Marcelo? Não é verdade que critica constantemente o governo de Passos Coelho, fez tudo para deitar abaixo o meu governo, criticou violentamente Durão Barroso – de quem é hoje grande adversário -, nunca foi próximo de Cavaco Silva, criticou muito Francisco Balsemão de quem foi ministro e, com Sá Carneiro, nem vale a pena falar?”, questionou Santana Lopes.
A escolha do candidato social-democrata para as eleições presidenciais de 2016 promete reanimar uma rivalidade antiga entre o comentador e ex-presidente do Sporting Clube de Portugal.
Rui Rio e a cruzada contra os jornalistas
O ex-presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, governou durante três mandatos, mas nunca teve relação fácil com os jornalistas. Houve vários boicotes da câmara à comunicação social e já depois de sair do cargo, a 4 de dezembro de 2013, acusou o jornalismo de “obedecer” a certos interesses e de ser “um dos responsáveis da degradação do regime democrático em Portugal”.
“Tem a comunicação social cumprido essa sua função de informar bem e com isenção os cidadãos? (…) Eu direi que por acaso. (…) Não estou a dizer que não cumpre, estou a dizer que cumpre por acaso, ou seja, tem outras obediências e quando obedece a essas outras obediências lá vai também cumprindo a informação” e, por isso, tem “sido também um dos responsáveis da degradação do regime democrático em Portugal”, afirmou Rio numa conferência intitulada “O jornalismo (que temos) é útil à democracia?”
Mais recentemente, no dia 20 de outubro deste ano, Rui Rio acusou “setores que não serão alheios ao próprio partido e, quiçá, a alguma organização mais ou menos secreta”, que se movem “maior destreza” nos meios do jornalismo e que, por isso, pode ter alguma coisa a ver com “estas coisas”, referindo-se às notícias que davam conta de que uma empresa do ex-autarca do Porto terá, alegadamente, sido beneficiada em concurso público.
O objetivo destas organizações secretas e de certos órgãos de comunicação social? “Denegrir, neste momento concreto, a minha pessoa do ponto de vista político e profissional”.
Alberto João Jardim e os “bastardos da comunicação social”
O presidente do Governo Regional da Madeira é conhecido por não ter papas na língua e por fazer dos jornalistas e da comunicação social os seus alvos preferidos. A bem da verdade, foram poucos os que escaparam às críticas de Alberto João Jardim, incluindo membros do seu partido, desde logo o “Senhor Silva” – ou melhor, Aníbal Cavaco Silva – passando por toda a classe política do continente: “o bando de loucos da Assembleia Legislativa”.
Mas os jornalistas, ou os “bastardos da comunicação social” sempre mereceram a atenção especial de Jardim.
“Há aqui uns bastardos na comunicação social do continente. Digo bastardos para não ter que lhes chamar filhos da puta… que aproveitaram este ensejo para desabafar o ódio que têm sobre a minha pessoa. Não lhes basta mentir sobre a Madeira. Como são bastardos, e têm o complexo de bastardos, também, à mínima coisa, desencadeiam isso (o ódio) sobre mim.”
Foi assim que, em julho de 2005, Alberto João Jardim reagiu às notícias que davam conta de que terá acumulado a reforma com o vencimento de presidente do Governo Regional da Madeira.
Mas os episódios que envolvem Jardim e os jornalistas não se ficam por aqui. Em agosto de 2011 terá ameaçado uma jornalista do Diário de Notícias da Madeira, que acusou de ser “comunista” e ordenou que abandonasse a igreja onde decorria uma missa em que estavam presentes a comunicação social e vários representantes do Governo Regional da Madeira. A jornalista recusou-se a abandonar o local, dizendo que a igreja também era sua, ao que Jardim respondeu “Não é sua porque você é comunista e, mais a mais, saia que eu chamo a polícia”.