O autocarro com destino a Portalegre estava cheio. Era o primeiro dia de instrução da GNR e havia centenas de candidatos. Ela sentou-se ao lado de um deles. Ele perguntou-lhe: “para onde vais?” Ela respondeu-lhe: “para o mesmo sítio que tu!”. O rapaz não conseguiu esconder a admiração. Completam-se agora 20 anos desse dia. O dia em que, pela primeira vez, entraram mulheres na GNR. A sargento-ajudante Fernandes foi uma das 16 primeiras.

“Era a novidade. Recebíamos elogios, tiravam-nos fotos e faziam vídeos. Sempre que chegávamos a alguma cerimónia ficavam todos a olhar para nós”, recorda hoje, aos 44 anos, e com uma vida tão diferente daquela altura.

Hoje já é comum. Das 1448 mulheres que iniciaram instrução na Guarda, 1249 concluíram o curso e ficaram – 60 delas são mesmo oficiais. E marcam presença nos mais diversos serviços, mesmo em missões internacionais.

Pelas mãos da sargento-ajudante Fernandes, melhor Maria Luísa, passa o processamento de todos os vencimentos dos militares da Unidade de Segurança e Honras de Estado, com quartel-general na Ajuda, em Lisboa. Antes a militar passou pelo Comando Geral da GNR. Sempre em serviço de administração militar que era, aliás, o único admitido quando entrou para a instituição.

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“Na altura já tínhamos lugares definidos para sermos colocadas. Nem tivemos opção. Fomos todas fazer trabalho administrativo até porque muitos postos da GNR não tinham condições para nos receber”, explica.

Maria Luísa fala de camaratas femininas, para guardas, sargentos e oficiais. Foi por essa razão que até o estágio foi feito em Portalegre, enquanto os homens foram colocados em vários postos pelo País.

A militar fez depois o curso de promoção a cabo e depois a sargento. Fê-lo movida pelo sonho de comandar um posto da GNR. Mas os amigos e familiares avisaram-na: se ia ser mãe era melhor manter-se longe do serviço operacional. Foi o que fez.

O espírito militar não nasceu com Fernandes. Ela até estudou contabilidade em Viseu, onde nasceu. Mas a falta de trabalho levou-a ir para a tropa. Como aliás grande parte das candidatas que entraram de serviço ao mesmo tempo que ela, a maior parte vindas da Marinha e do Exército. “Já me tinham dito que iam abrir vagas e eu esperei”, recorda.

Mónica é a mais recente guarda

Não foi por causa do trabalho que Mónica Miranda trocou Viana do Castelo pela instrução em Portalegre, onde será esta sexta-feira incorporada na GNR. Aos 26 anos e licenciada em Contabilidade e Finanças até trabalhou na área, mas o sonho de ingressar uma força de segurança não a largou. Talvez influência do pai, que está na PSP.

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Mónica Miranda é licenciada em Contabilidade, mas sempre quis integrar uma força de segurança

Mónica diz que não sente qualquer discriminação pelo facto de ser mulher. Mesmo quando estagiou num meio “pequeno e familiar”, perto da sua terra natal. Mas foi nas instrutoras do sexo feminino que encontrou um caminho a seguir dentro da Guarda:

“Quando puder concorrer quero ir para o Trânsito. E assim que abrir concurso vou concorrer ao curso de sargentos para poder comandar”, diz Mónica.

Curiosidades:

  • 1993 – Ano em que começaram a ser admitidas mulheres na Academia Militar. Só uma mulher entrou no curso. Desde então, das 89 oficiais que aqui entraram, só 60 terminou.
  • 2002 – Primeira oficial mulher a entrar no Regimento de Infantaria da GNR. Um ano depois a primeira na Cavalaria
  • 1994 – Primeiro concurso da GNR para soldados aberto a mulheres.
  • Atualmente há 52 oficiais, 132 sargentos e 1041 guardas, num total de 1225 (apesar de ter entrado um total de 1249). Todos do sexo feminino.
  • A maior parte das mulheres na Guarda têm entre os 30 e os 34 anos.
  • Há 29 mulheres a comandar ou a chefiar, 406 em serviço administrativo e 790 em trabalho operacional.
  • A Unidade da GNR com menos mulheres é a de Trânsito, com quatro. A maior parte presta serviço em postos territoriais