António Costa chega ao XX congresso do PS, onde vai ser confirmado líder do partido, com uma moção de orientação estratégica e uma agenda para a década no bolso que desenham as linhas gerais sobre a sua proposta de organização do Estado. São os únicos documentos onde Costa expressa as suas ideias e propostas para o país, numa altura em que tanto PS como PSD parecem ter já aberto a época de pré-campanha eleitoral. Além de um conjunto de propostas como o fim da sobretaxa do IRS ou a reposição dos cortes salariais na função pública que implicam aumento de despesa, há também no plano de Costa um discurso de racionalização da despesa pública, de redução de custos e de simplificação da máquina do Estado.

As propostas que apresenta na sua ‘agenda’, no entanto, são cautelosas e assentam mais em intenções gerais de médio e longo prazo do que em medidas concretas – o programa de Governo só será apresentado na primavera. A verdade é que Costa sempre defendeu que o projeto de orientação política com que se vai apresentar ao congresso não é um programa de governo e, por isso, não se encontram nele medidas fiscais e de consolidação orçamental de curto prazo, mas sim orientações estratégicas. Pouca redução concreta da despesa do Estado e muita desburocratização, descentralização e simplificação de serviços parece ser a receita de Costa para a reforma do Estado, a avaliar pelo documento.

Sem quantificar ou concretizar como o pretende fazer, ou sequer qual o impacto que terá na consolidação orçamental, as palavras “simplificação”, “simplex”, “redução de custos de contexto”, “desburocratização”, ou “acabar com os obstáculos”, por exemplo, no que à progressão das carreiras na função pública diz respeito, são recorrentes no texto. E o setor onde afirma mais nitidamente a intenção de reduzir custos é o da Defesa, logo, o menos prioritário. “Reduzir custos em despesas onde a atuação não seja prioritária, concentrando a ação das Forças Armadas em domínios de evidente valor acrescentado para o país”, lê-se.

Mas afinal, como pensa Costa tirar as gorduras do Estado e reformar o funcionamento da máquina?

Reduzir custos

  • Ainda na Defesa, onde afirma querer reduzir custos de despesas não prioritárias, António Costa propõe uma mais adequada “racionalização de efetivos” e uma melhor “coordenação das forças de segurança”, que pode até passar por “eventuais alterações institucionais”, de modo a melhorar a eficiência do setor e a reduzir a “redundância e sobreposição de funções”;
  • Sobre o ensino superior, Costa diz que quer aumentar o número de pessoas qualificadas, mas propõe um desenvolvimento do ensino superior com os olhos postos nos custos inerentes a um “contexto de exigente consolidação orçamental”;
  • Reduzir “custos de contexto” associados à prática de certas atividades: “Criar um balcão único para licenciamento das atividades a realizar no mar” e “melhorar o sistema logístico dos portos e aeroportos” no sentido de “diminuir os custos de contexto”, defende. Também no turismo, Costa quer desburocratizar para reduzir custos, propondo a criação de um balcão único e a agilização de procedimentos administrativos.
  • Na Saúde, Costa admite contratos de gestão que “confiram maior liberdade, iniciativa e meios aos gestores” do SNS e ao mesmo tempo “maior responsabilização”, no sentido de “ajudar a conter despesa e a prevenir o desperdício e a fraude”. Mas ao mesmo tempo defende uma remuneração mais “adequada” dos profissionais do setor público através de incentivos ao desempenho.

Simplificar serviços

  • Simplificar processos administrativos, nomeadamente no que diz respeito à contratação pública, onde Costa diz que quer promover “mecanismos menos onerosos, mais ágeis, flexíveis e transparentes”. Nesse contexto sugere a implementação da contratação pública eletrónica, para eliminar “os custos excessivos que o atual sistema importa para os serviços públicos e para as empresas que utilizem as plataformas de compras públicas”.
  • Retomar o Simplex para a administração pública, central e local, um programa de simplificação de serviços que já vem do governo anterior, assim como elaborar um programa idêntico mas aplicado à gestão pública com o objetivo de assegurar “maior autonomia no quadro jurídico e orçamental, e mais responsabilização”. Costa quer ainda recuperar as iniciativas do programa Simplegis, uma espécie de simplex legislativo, onde se pretende reduzir os atrasos na transposição das leis e reduzir o número de diplomas aprovados por ano;
  • Descentralização e “consolidação da autonomia local”: Costa quer “corrigir os erros cometidos” na reforma do mapa das freguesias, propondo uma Lei Quadro que permita desenvolver a autonomia local como instrumento da descentralização do Estado.
  • Para a função pública, Costa quer acabar com os obstáculos à progressão na carreira dos funcionários públicos e quer ainda atribuir prémios de desempenho, mas mantendo “as condicionantes que resultam das capacidades orçamentais dos serviços”. E, no que diz respeito a pensões, defende um “esforço de simplificação do sistema de proteção social”, nomeadamente através da “convergência efetiva” dos sistemas de pensões, público e privado, com uma igualdade na “formação de direitos” para futuro.

…mas também aumentar despesa

Nos dias que se seguiram à apresentação da moção global de estratégia de Costa, que não apresentava números quanto à despesa pública nem valores de consolidação orçamental, surgiram algumas estimativas de acréscimo da despesa tendo em conta as ideias que Costa defendia. O social-democrata Marco António Costa, número dois no PSD e braço direito de Passos no partido, chegou a dizer em entrevista ao Diário de Notícias que as promessas de Costa valiam 800 milhões de euros, entre 600 milhões com a reposição dos cortes salariais na função pública e 200 milhões com a redução do IVA na restauração dos atuais 23% para a taxa intermédia de 13%.

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O jornal Expresso aumentava a estimativa para 1,6 milhões, acrescentando o acréscimo de 760 milhões na despesa com o fim da sobretaxa de IRS e de mais 66 milhões com a proposta da reposição do Complemento Solidário para Idosos. A reposição integral dos cortes salariais na função pública não consta nas propostas de Costa para a década mas foi admitida pelo ainda presidente da câmara de Lisboa depois de uma intervenção polémica do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho no Parlamento, onde defendeu que a reposição seria gradual, a uma taxa de 20% ao ano.

Mas a verdade é que, a par de alguma cautela na “redução da despesa” e na adequação ao “esforço de consolidação orçamental”, na “Agenda para a Década” constam também propostas que implicam um acréscimo da despesa pública. Como:

  • Valorização fiscal, em sede de IRC, das empresas destinadas ao emprego científico e a atividades de investigação e desenvolvimento;
  • Recuperação de uma medida do governo socialista anterior chamada ‘Taxa Zero para a Inovação’, que prevê reduzir os custos das PME inovadoras ou das empresas de jovens empreendedores que invistam em investigação e desenvolvimento, isentando-as do pagamento de taxas ou emolumentos;
  • Aumentar a TSU (taxa social única) para os empregadores que recorram a formas precárias de trabalho, de forma a prejudicá-los fiscalmente;
  • Repor o Complemento Solidário de Idosos para os níveis anteriores ao corte feito neste governo de Passos Coelho;
  • Eliminar a sobretaxa de IRS e outros elementos de “regressividade do imposto” e valorizar em termos fiscais o aumento das qualificações e formação profissional.
  • Aumentar o salário mínimo nacional, embora não diga para quanto nem quando.