Com a chegada do verão sobem as temperaturas, as praias enchem-se de famílias, as viagens, os passeios, os piqueniques e as atividades ao ar livre multiplicam-se. Para as crianças e jovens em idade escolar o verão é sinónimo de tudo isto e também… de férias grandes. Mas nem sempre sinónimo de descanso. Há professores que ainda cultivam a prática de enviar trabalhos para casa – os famosos TPCs – nesta interrupção das atividades letivas. O Observador procurou perceber se os TPCs nas férias são uma mais-valia ou não e a maioria dos especialistas concordou que deve haver uma quebra das rotinas nas férias e que o estímulo cognitivo deve ser feito por outras vias que não os típicos trabalhos para casa.

A psicóloga Filipa Jardim da Silva começou por defender que “a distinção entre TPCs de tempos de aulas e TPCs de tempos de férias deve existir” e é por isso que não concorda com as “fichas de exercícios como as que habitualmente são feitas durante o ano”, e, por vezes, recomendadas pelos docentes para o período de férias.

“Existe investigação que refere que prescrever TPCs no verão idênticos aos do ano letivo, sem uma data próxima de correção e colando o tempo de férias ao tempo de aulas, não é produtivo”, rematou a psicóloga da Oficina da Psicologia.

Filipa Silva é, antes, mais apologista de conjugar “as atividades de verão, os encontros familiares e o acréscimo de tempo passado ao ar livre com jogos lúdico-pedagógicos que despertem a atenção e motivação das crianças, estimulando-as e assegurando que as aprendizagens realizadas são consolidadas e os recursos cognitivos trabalhados”.

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Da lista de jogos destaca os puzzles, os quebra-cabeças, os jogos de diferenças, os jogos de cálculo mental e de conhecimento geral e as palavras cruzadas.

Leitura não é TPC. Leitura é obrigatória

Mas estas atividades devem ser sempre combinadas com leitura. “A leitura é imprescindível em idade escolar”, sublinhou a psicóloga, acrescentando que pode ainda ser pedido à criança que faça desenhos sobre a história que leu ou um texto livre sobre as férias.

Para José Morgado, professor do Departamento de Psicologia da Educação, no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), a leitura não pode sequer ser vista como um trabalho de casa. “A leitura de férias é algo que os miúdos devem ser incentivados a fazer”, defendeu. E qualquer tipo de leitura. “Eu tento que leia A Fada Oriana, mas se o miúdo quiser ler o jornal, que leia”, acrescentou.

Aos pais deixou um recado: “Leiam com os filhos, estimulem a leitura. Não tem de ser o livro indicado pela escola”, frisou o especialista José Morgado, que é contra os tradicionais trabalhos para casa.

À semelhança de Filipa Silva, também José Morgado defende que as férias são “para quebrar a rotina” e portanto os trabalhos não podem ser os mesmos que os de período de aulas.

A leitura e a escrita são também os trabalhos que Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), aconselha para que “não haja um corte absoluto com a escola”.

Férias são longas e crianças não podem desligar completamente

Jorge Ascenção, da Confederação Nacional das Associações de Pais, partilha, igualmente, da opinião de que “as férias grandes são para descansar”. O “problema é ser demasiado tempo”, acrescentou logo de seguida. E, por isso mesmo, as crianças “não podem desligar completamente”.

Como tal, “devem ler, fazer composições e um conjunto de atividade intelectuais que lhes permitam não esquecer a matéria e o que trabalharam durante o ano. Há muitas formas de nos irmos divertindo e eles irem aprendendo”, justificou Jorge Ascenção, que considera “exagerado” os miúdos fazerem cadernos de fichas.

Também por saber que “é muito tempo” sem aulas, a professora de 1.º ciclo, Isabel Torres, costuma sugerir leitura para férias, ditados e contas. “Senão chegam ao 2.º ano e já não sabem ler nem escrever nada”, dramatizou.

Este ano, esta docente teve apenas uma turma de 4.º ano e não enviou trabalhos para casa porque  “eles trabalharam imenso durante o ano letivo”. Mas deixou um pedido aos pais dos alunos com mais dificuldades: “Que insistam em alguns exercícios, duas horas por semana“.

Recomendações foi também o que Isabel Baptista se limitou a fazer aos pais no final deste ano letivo. “Deixo essa decisão para os pais, mas aconselho a fazerem algumas atividades porque são muitos meses sem aulas”, explicou. E para os pais não gastarem mais dinheiro em livros de fichas e livros, costuma recomendar que os alunos façam exercícios dos manuais – que nunca se completam – e assim “vão refrescando a memória”.

Manuel Pereira, presidente da ANDE, disse ao Observador que a ideia que tem é de que “genericamente já não há hábito de mandar trabalhos para as férias, mas sim definir um conjunto de metas que os alunos devem atingir nas férias, como livros para ler ou conjunto de fichas para fazer”. O diretor de escola lamentou ainda os casos de alunos em que “infelizmente há um corte absoluto e em que as escolas têm imensas dificuldades porque em setembro é o eterno recomeço”.