Se há coisa que me irrita em Portugal são os atrasos. Quando vou ao médico, invariavelmente sou atendido com atrasos, muitas vezes enormes, e raramente ouvi da boca dos médicos um pedido de desculpas ou uma tentativa de justificação. Não me lembro de ver um debate em directo que começasse atrasado. Pelo que percebi, foi Costa que se atrasou, pelo que Costa devia ter dado uma explicação. Não a deu, deviam os jornalistas ter explicado o atraso.

Passos Coelho partia para este debate com a obrigação de reparar a má imagem deixada no debate anterior. Conseguiu-o. Não só porque não recorreu à muleta de Sócrates; não só porque adoptou uma atitude mais agressiva; mas, principalmente, porque foi muito certeiro em diversas acusações de demagogia que fez ao seu adversário e nas explicações que deu relativamente às suas opções governativas dos últimos quatro anos.

O debate começou com a Europa. Pedro Passos Coelho lembrou a experiência de diversos dirigentes socialistas europeus, como François Hollande, para lembrar que quem governa não se pode dar ao luxo de ser fantasioso.

Sobre os refugiados, ambos estiveram bem. Parece-me que ambos vêem na imigração uma oportunidade para o país. Ambos foram cautelosos a falar de possíveis intervenções militares lá longe.

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Costa insistiu com a ideia de que Coelho foi para além da tróica. Erro crasso, evidentemente que Passos Coelho já tinha tido tempo para preparar a resposta, que é eficaz e óbvia: foi além da tróica porque a situação do país era pior do que o que estava previsto no memorando.

Costa responde com demagogia sobre o aumento da dívida. Coelho, mais uma vez, respondeu de forma óbvia e eficaz: Costa não se pode queixar de que o governo foi além da tróica e, ao mesmo tempo, queixar-se do aumento da dívida.

Também se discutiu o mercado de trabalho. Costa foi bom a explicar as propostas do PS. Explicou bem as vantagens do despedimento conciliatório. Pessoalmente, fico com muitas dúvidas sobre se os subsídios de desemprego devem ser aplicados a estes trabalhadores, mas, claro, ninguém o atacou por isso. Costa falou de ser necessário melhorar a qualificação do emprego. PPC respondeu atirando uma série de números traçando um cenário idílico sobre a evolução do mercado de trabalho nos últimos anos. Pareceu um pouco deslocado da realidade.

A dada altura, deixei de seguir o debate por 2 minutos, quando voltei estavam a discutir a câmara de Lisboa e uma terceira ponte sobre o Tejo. Não sei de quem foi a culpa mas pareceu-me absurdo.

Na discussão sobre impostos nos próximos anos, ambos se fartaram de fazer promessas relativas à redução dos impostos. PPC pareceu ser um pouco mais moderado. Mas ambos deviam ser menos levianos.

Já para o fim do debate, deram a Costa a oportunidade de dar uma imagem de responsabilidade quando lhe perguntaram sobre os 1000 milhões de euros de redução das prestações sociais (não-contributivas) que o PS propõe para os próximos anos. Em vez de explicar onde poupa esses 1000 milhões, Costa apenas dá exemplos de aumentos de despesas, como os abonos de família e os aumentos das pensões mínimas. Não conseguiu sequer dar um exemplo de uma prestação não contributiva que passasse a ser sujeita a condição de recursos. Patético. 1000 milhões de euros não é um valor irrelevante. Costa irá esclarecer muito rapidamente como pensa poupar este valor sob pena, se não o fizer, de não conseguir transmitir a confiança que pretende.

António Costa tem razão ao elogiar a reforma da Segurança Social de 2006, mas continua a mostrar que não tem consciência dos problemas relativamente ao futuro da Segurança Social. Passos Coelho também não, mas a verdade é que mostrou ser mais realista e estar preparado para trabalhar sobre o assunto.

Hoje vai ser um dia de alegria para as hostes da PàF. Veremos se Passos aproveita a embalagem para a entrevista de logo à noite na televisão.

Para terminar, vale a pena realçar o que para mim foi uma novidade. Há uns meses, a Ministra das Finanças anunciou que caso Passos Coelho perdesse as eleições poderia continuar como líder do PSD. Passos Coelho confirmou isso quando se comprometeu que quer ganhasse as eleições quer as perdesse, ou seja, quer no governo quer na oposição, negociaria com o PS uma reforma séria da Segurança Social.

* Aguiar-Conraria é professor e vice-presidente da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho

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