Repor o IVA da restauração em 13%, as 35 horas como horário normal em toda a função pública e os feriados do 1.º de dezembro e do 5 de outubro. Corrigir a nova lei das rendas e o novo regime das amas. Abolição das taxas moderadoras no aborto, aumento do abono de família e uma comissão parlamentar de inquérito à concessão do Metro do Porto e da Sociedade de Transportes Coletivos do Porto. Isto é o que poderá acontecer em breve na Assembleia da República, pelo simples facto de PS, BE e PCP juntos terem mais deputados que o PSD/CDS, que apoiam o Governo.
O Observador analisou todas as propostas de lei do Governo, na última sessão legislativa (já com António Costa à frente do PS), para ver quais as que mereceram o voto contra do PS, PCP e BE, bem como os projetos de lei em que estes três partidos se mostraram unidos (mas que chumbaram com votos contra do PSD e CDS). E isso mostra bem em que pontos a maioria de esquerda está unida, se mantiver a mesma posição de princípio.
Os primeiros dias da nova Assembleia da República poderão ser uma sucessão de reversão de medidas do Governo, à semelhança do que aconteceu em 2009 quando José Sócrates perdeu a maioria absoluta. A oposição uniu-se na altura na aprovou uma série de diplomas para anular decisões do anterior Governo antes mesmo de ser aprovado o Orçamento do Estado. O primeiro-ministro acusou a oposição de ser “desleal” por querer “discutir despesa sem o quadro geral do Orçamento de Estado”.
Houve uma sexta-feira, dia de votações, que ficou conhecida como a “sexta-feira negra” para o Governo em que a oposição aprovou, na generalidade, 11 dos 13 diplomas com medidas “anti-crise”. Entre esses projetos lei, aprovados pelo PSD, CDS, PCP e BE, constavam o adiamento da entrada em vigor do Código Contributivo, a extinção do Pagamento Especial por Conta, alterações no prazo de reembolso do IVA e um diploma que impunha ao Estado o pagamento de juros de mora pelo atraso no cumprimento de “qualquer obrigação pecuniária”. As contas de Sócrates somavam, com essas medidas aprovadas contra o Governo, em 800 milhões de euros.
Este ano, será mais fácil a oposição unir-se do que em 2009 porque nessa altura isso implicou que o PSD votasse ao lado do PCP e BE. Agora, os três partidos de esquerda estão todos do mesmo lado. Vejamos então o que uniu a esquerda – e o que, desta vez, a esquerda pode aprovar (ou revogar) sozinha.
Diplomas que não passaram
PS
- Repor as 35 horas por semana como período normal de trabalho na função pública.
- Propor a ponderação do número de dependentes para efeitos de isenção de taxas moderadoras.
- Densificação do regime de empréstimos de manuais escolares, assegurando a sua articulação com regime de acção social escolar no ensino básico e secundário e com as competências das autarquias locais na matéria.
- Aumento do montante pago nos escalões do abono de família e do abono pré-natal e alteração da majoração das famílias monoparentais.
- Introduzir maior equidade fiscal e maior justiça social no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
- Proceder à alteração das regras de inventariação, de expedição e de exportação de obras e altera a taxa de IVA aplicável ao restauro de bens móveis culturais.
- Determinar as taxas de juro aplicáveis aos mutuários de crédito num contexto de taxa de referência negativa.
- Reposição do IVA da restauração na taxa de 13%.
- Alargar às entidades que prosseguem atividades culturais a possibilidade de consignação de uma quota do IRS.
- Revogar a Portaria que “Estabelece os critérios que permitem categorizar os serviços e estabelecimentos do SNS, de acordo com a natureza das suas responsabilidades e quadro de valências exercidas, e o seu posicionamento da rede hospitalar e procede à sua classificação”.
- Proceder à […] alteração do Código Penal, cumprindo o disposto na Convenção do Conselho da Europa para a proteção das crianças contra a exploração sexual e os abusos sexuais (Convenção de Lanzarote).
- Suspensão das penhoras e vendas executivas de imóveis por dívidas fiscais.
- Restabelecer os feriados do 1.º de dezembro e do 5 de outubro.
- Alterar o Código de Processo Penal eliminando a possibilidade de julgamentos em processo sumário para crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos.
BE
- Revogar a Lei das rendas.
- Eliminar as comissões por reembolso antecipado e de termo do contrato.
- Eliminar da impossibilidade legal de adoção por casais do mesmo sexo.
- Alterar o Código do Registo Civil, tendo em conta a procriação medicamente assistida, a adoção e o apadrinhamento civil por casais do mesmo sexo.
- Combater o trabalho forçado e outras formas de exploração laboral (a empresa utilizadora ou adjudicatária da obra ou serviço é solidariamente responsável pelas violações das disposições legais relativas à segurança e saúde dos trabalhadores temporários).
PCP
- Instituir o Programa Nacional de Combate à Precariedade Laboral e à Contratação Ilegal.
- Estabelecer uma cláusula de salvaguarda para efeitos de IMI e revogar a isenção concedida aos fundos imobiliários
- Proibir os bancos de alterar unilateralmente taxas de juro e outras condições contratuais
- Determinar a obrigatoriedade de as instituições de crédito disponibilizarem uma conta de depósito à ordem padronizada, designada de “conta base”, e proibir a cobrança de comissões, despesas ou outros encargos pelos serviços prestados no âmbito dessa conta
- Alterar o Regime que cria a contribuição Extraordinária sobre o setor energético.
- Revogar a Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso.
- Revoga a Propina do Ensino de Português no Estrangeiro.
- Adotar medidas urgentes para a reparação dos direitos lesados pela paralisia da plataforma informática CITIUS e para a normalização do funcionamento dos tribunais judiciais.
- Recusar a privatização da Empresa Geral de Fomento, S.A. (EGF) e revogar o Decreto-Lei que aprova o processo de reprivatização da Empresa Geral do Fomento, S.A
Diplomas que passaram com voto contra de toda a oposição
PSD/CDS
- Introdução de taxas moderadoras para o aborto
- Alteração da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, consagrando uma nova modalidade de horário de trabalho – a meia jornada.
GOVERNO
- Novo Regime Jurídico do Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora.
- Novo Estatuto da Ordem dos Advogados que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais.
- Sistema de registo de identificação criminal de condenados pela prática de crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menor.
- Alteração da lei que aprova a lei de bases do desenvolvimento agrário.
- Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros.
- Alteração da lei que aprova as regras aplicáveis à assunção de compromissos e aos pagamentos em atraso das entidades públicas (serviços públicos que aumentem os pagamentos em atraso obrigados a constituir uma reserva que corresponda a metade do valor do aumento).
- Alteração das normas fiscais ambientais nos sectores da energia e emissões, transportes, água, resíduos, ordenamento do território, florestas e biodiversidade, introduzindo ainda um regime de tributação dos sacos de plástico e um regime de incentivo ao abate de veículos em fim de vida, no quadro de uma reforma da fiscalidade ambiental.
- Reforma do IRS, orientada para a família, para a simplificação e para a mobilidade social.
- Novo Regime do Arrendamento Apoiado para Habitação.
- Revisão do regime jurídico do arrendamento urbano (alargar o número de empresas que podem aceder ao regime excecional e passam a ser abrangidas outras entidades, como as instituições particulares de solidariedade social, obriga a uma intervenção maior por parte das câmaras municipais no reconhecimento das obras que terão obrigatoriamente de implicar um despejo dos inquilinos)
- Autoriza oGoverno a definir os termos e as condições para o acesso à profissão de ama e o exercício da respetiva atividade.
Ilustração: Milton Cappelletti