No dia 2 de outubro, Juvenal Mendes saiu da Ilha da Boa Vista, em Cabo Verde, para pescar. Em vez de peixe, o homem de 52 anos apanhou uma tempestade e acabou por ficar à deriva, sozinho, com a vela rasgada e sem combustível, em alto-mar. Depois de 47 dias à deriva foi resgatado no Brasil. Regressa finalmente a casa este sábado à noite.

“O que eu quero é chegar ao pé dos meus familiares todos, o meu bebé está com quase três anos, estou com saudade deles”, disse o pescador, pai de 12 filhos. Em entrevista à Lusa, no Consulado Honorário de Cabo Verde em São Paulo, recorda os dias em que viveu somente do que pescava e da água da chuva, à espera de alguém que reparasse no seu pequeno barco.

“A parte mais difícil foi quando vi o navio passar, fiz sinal, [mas] não me vê, nem me salva. Fiquei assim, mais ou menos desanimado”, afirmou, sobre as cerca de 15 embarcações que passaram por ele no caminho.

juvenal mendes

O pequeno barco de Juvenal, fotografado a partir do navio Ouro do Brasil, que o resgatou. ©Ouro do Brasil / Divulgação

A 18 de novembro, 47 dias depois de Juvenal ter saído de Cabo Verde, foi resgatado pelo navio Ouro do Brasil, a 300 quilómetros da costa norte do Brasil. Ficou então a saber que tinha andado quase três mil quilómetros e estava, não só noutro país, como também noutro continente.

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Só pisou solo brasileiro na última terça-feira, uma vez que o navio de transporte de mercadorias se dirigia a Santos. Depois de conseguir os documentos necessários, viajou esta sexta-feira para o aeroporto de São Paulo para apanhar o voo de volta para casa, com escala em Fortaleza, no nordeste brasileiro e deve regressar à Praia, em Cabo Verde, na noite deste sábado.

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Da Ilha da Boa Vista, em Cabo Verde, para Amapá, no norte do Brasil, e depois para Santos, no sul do país. A viagem foi longa. ©Observador

Juvenal Ferreira Mendes, nascido em São Tomé e Príncipe, mora na ilha de Santiago. Apesar do medo, nunca desistiu: “Tinha fé que ia ser salvo”, disse, acrescentando que não ficam ressentimentos do mar. “Vou voltar a pescar, é minha profissão desde 14 anos de idade. Pesquei até agora e vou continuar a pescar.”

O cônsul honorário de Cabo Verde em São Paulo, Emannuel Rocha, afirmou que este não é caso único, já que as correntes fortes empurram as embarcações cabo-verdianas com facilidade. O último caso, disse, ocorreu em 2004, com quatro pescadores (um não sobreviveu).

“Uma das lendas ou histórias de pescadores diz que Pedro Álvares Cabral estava a Caminho das Índias quando foi apanhado por essa corrente marítima, e acabou no Brasil”, disse Rocha.

O cônsul realçou que os pescadores experientes, que sabem que não devem tomar água do mar, apenas da chuva, e que conseguem alimentar-se dos peixes que vão pescando, sobrevivem à travessia até o Brasil, que dura entre um e dois meses.