Os fiscalistas contactados pela Lusa defendem o fim da sobretaxa, considerando que “viola claramente a Constituição”, mas alertam que a receita que rendia aos cofres do Estado terá de ser compensada e que será a classe média a fazê-lo.
O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira afirmou, em declarações à Lusa, que “é uma tristeza [Portugal] andar sempre a mexer nos impostos e a fazer política através dos impostos”, sublinhando que “isto é muito mau para o investimento estrangeiro e para a competitividade do país”. Para o advogado, “a sobretaxa é uma aberração, sempre foi, e é uma espécie de um IRS 2 com regras diferentes quando a Constituição diz que sobre o rendimento só incide um imposto”.
Sublinhando que a sobretaxa “é um imposto acessório do IRS”, Rogério Fernandes Ferreira diz que acha “muito bem que se acabe com a sobretaxa enquanto tal”, mas alerta que, quando a medida for eliminada, total ou parcialmente, vai ser preciso compensar a receita que gerava. “Essa receita vai ter de ser gerada em algum lado, provavelmente através desta reclassificação dos escalões” do IRS, uma medida que consta do programa de Governo do PS.
“Não tenhamos dúvidas de que onde se vai mexer nos escalões vai ser nos intermédios, aí é que se vai efetivamente mexer porque isso é que gera receita. Naturalmente, mais uma vez, se vai agravar os impostos sobre a classe média”, lamentou o fiscalista.
Também o antigo diretor dos serviços do Imposto sobre o Rendimento de pessoas Singulares (IRS) do Fisco Manuel Faustino concorda que a sobretaxa “é um segundo imposto sobre o rendimento, violando claramente a Constituição”. O consultor fiscal deixa ainda algumas dúvidas quanto à forma como a medida vai ser implementada no próximo ano.
“Ao que parece, em fim de vida, a sobretaxa ainda se vai transformar também em progressiva. Significará que vamos ter algo entre 0% e 7%? A taxa nominalmente era uma taxa ‘flat’ de 3,5%. Quando agora me falam em ver por escalões e transformá-la em progressiva… O que é que isto quer dizer?”, lançou. Para Manuel Faustino, “para ser progressiva e produzir a receita desejada, [a sobretaxa] não pode ficar 1,75% como máximo”.
O PS comprometeu-se a extinguir a sobretaxa “entre 2016 e 2017”, tendo já os deputados socialistas apresentado um projeto de lei para que a sobretaxa seja reduzida para os 1,75% em 2016 e eliminada em 2017. A medida — tal como foi inicialmente proposta pelo PS — não teve a concordância do BE nem do PCP, que disseram já no parlamento que pretendem “melhorar a medida na [discussão na] especialidade”.
Entretanto, no dia 02 deste mês, fonte do Governo disse à Lusa que o executivo está a preparar a eliminação total da sobretaxa ao escalão mais baixo do IRS em 2016.
De acordo com os dados relativos à sobretaxa paga em 2014, enviados pelo Governo ao parlamento no dia 03, a medida rendeu 930,9 milhões de euros no ano passado, dos quais 725,4 milhões foram pagos através de retenções na fonte feitas durante o ano pelos trabalhadores dependentes e pensionistas.
No primeiro escalão do IRS estão os agregados com rendimentos coletáveis até 7.000 euros, sendo que estes 3,5 milhões de famílias emprestaram ao Estado 85,9 milhões de euros em 2014, através de retenções na fonte, valor que lhes foi devolvido aquando da liquidação final do imposto.
Estes agregados pagaram ao Estado 2,3 milhões de euros a título de sobretaxa de IRS. No entanto, ao longo do ano, foram obrigados a fazer um adiantamento de 88,2 milhões de euros através das retenções na fonte, dos quais 85,9 milhões de euros acabariam por lhes ser devolvidos.