“Alo, oui?” Era assim que a madame das madames atendia o telefone. Fernande Grudet, mais conhecida por Madame Claude, guardou segredos, terá tido os clientes mais ricos e poderosos, afirmou ter estado num campo de concentração nazi, foi presa nos Estados Unidos e frequentou eventos da alta sociedade gaulesa. Aos 92 anos, a Madame Claude morreu. O último suspiro deu-o num hospital em Nice, no sul de França, no sábado passado. Sozinha e quase esquecida.

Vale a pena revisitar a história da mais famosa proxeneta de França contada por William Stadiem para a Vanity Fair, em agosto de 2014. Stadiem escreveu a biografia de Marilyn Monroe e conheceu a Madame Claude em 1981, em Los Angeles, quando ela estava exilada. A francesa nascida em Angers estava em LA desde 1977, momento em que fugiu das autoridades francesas por fuga ao Fisco.

William Stadiem conheceu-a bem durante um mês inteiro a partilhar mesas de almoços, nos quais revelou vários histórias, pormenores, taras e manias. O escritor gastou também muita sola para conversar com personagens que interagiram, em algum momento, com esta proprietária de um bordel, que era a sua casa. “Claude comia como um pássaro, umas fatias de tomate, melão; sem álcool nem cigarros”, escreveu Stadiem.

O texto não foge a polémicas e contradições. Apesar de lhe ter revelado pouco sobre a sua juventude, Claude contou que começou a vida a vender bíblias, tocando à porta das pessoas. O autor sugere que existem outras versões, que a colocam na rua, a vender o corpo, nomeadamente na Rua Godot de Mauroy, algo que a mesma lhe chegou a negar.

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Nos anos 60, em Paris, Madame Claude tornou-se alguém muito influente na sociedade francesa, pelas meninas e mulheres que colocava diante dos homens poderosos. Dava-lhe prazer o fenómeno da transformação: agarrar em miúdas, dar-lhes cultura, interesse e um jeitinho aqui e ali. Como chegou a dizer a Stadiem, os homens não pagavam pelo sexo, mas sim pela experiência.

Entre os clientes mais famosos terão estado nomes sonantes como Marlon Brando, Rex Harrison, ambos atores, Moshe Dayan, um líder político israelita, e Muammar Gaddafi, o coronel que liderou a Líbia entre 1969 e 2011, data em que foi assassinado nos tumultos da Primavera Árabe. Mas havia mais: segundo o texto da Vanity Fair, Aristotle Onassis e Maria Callas faziam pedidos tão “depravados” que Madame Claude até corava. Mais polémico será o envolvimento de John Kennedy, o presidente norte-americano assassinado em 1963. Stadiem conta que JFK pediu a Madame Claude alguém semelhante a Jackie, a sua mulher, “mas mais atraente”.

Os cisnes e Brigitte Bardot deixada a um canto

O cisne é uma figura com uma beleza e delicadeza raras, com o seu quê de intrigante. Era assim que a Madame Claude chamava às mulheres que explorava. E se havia coisa que a madame das madames não fazia era revelar a quem ia saindo a sorte grande, ou seja, quem de entre os cisnes casava com os senhores do poder, fama, estrelato e dinheiro. “Claude, ficou claro para mim, não era algo simplesmente para os rapazes. Ela era uma matchmaker“, explicou Stadiem, com evidente fascínio pela personagem. “Claude vendeu as suas mulheres ao esplendor.”

O autor do texto conversou com uma das grandes amigas e até com alguns clientes da Madame Claude. Taki Theodoracopulos, um jornalista e escritor grego, foi um deles. “Foi nos finais dos anos 50 e ela já era uma lenda”, contou Taki, conhecido pela coluna “High Life” da revista londrina Spectator. Taki ajudou a montar o puzzle e revelou que Madame Claude especializava-se em “modelos e atrizes falhadas”, mulheres que não deixavam de ser bonitas e fabulosas por terem falhado no mundo que almejaram.

Jean-Pierre de Lucovich, um jornalista do Paris Match, também abriu o livro com Stadiem. O apartamento de Claude era perto da redação e um almoço bem regado com um amigo levou-o a pegar no telefone. Após uma conversa rápida, contou Lucovich, Claude perguntou-lhe se ele queria ver “jeune filles”, o “termo simpático” para chamar meninas entre os 18 e 25. O jornalista foi cliente até ao início dos anos 70. Porquê o stop? “Os árabes vieram para Paris”, por isso o preço do serviço de prostituição disparou de qualquer coisa como 36 euros para 455 euros. Vale a pena lembrar que falamos em episódios com quase 50 anos de vida.

Com os bolsos a abarrotar de dinheiro ilícito, Claude ganhou o estatuto de celebridade, assim como o direito a frequentar eventos de alto gabarito. De Lucovich contou ainda um episódio numa festa com Brigitte Bardot, na qual Madame Claude foi apresentada como Fernande Grudet. Qui? Je ne sais pas, terão dito. “Ela era tão vulgar, e mal encaixava ali, portanto as pessoas começaram a perguntar quem era ela”, revelou o tal jornalista do Paris Match. Até que alguém teve a brilhante ideia de se referir a ela pelo nome de guerra: Madame Claude. C’est pas possible!, terão dito a seguir. Mas era, e os holofotes e os olhos viraram-se todos para ela. “Ela tornou-se o centro [das atenções]. Bardot ficou sozinha.”

A tatuagem, o corpo da mulher aos 40 e o princípio do fim

“Nojento, pessoas com 40 anos não deveriam fazer sexo”, disse Claude a Sylvette Balland, uma das suas grandes amigas, sobre o seu próprio corpo, depois de se ver ao espelho. Balland revelou a Stadiem que Claude não gostava de sexo nem quando era mais nova. “Para além disso, ela via o negócio da rua [prostituição] a ir para as raparigas altas e bonitas. Pensou que nunca teria hipóteses de competir contra elas. Em vez disso, acabaria por ficar com o dinheiro delas”, contou Balland, que sentiu ter conhecido “Al Capone” quando conheceu Claude. Esta amiga de longa data informou ainda que Claude vivia num apartamento pequeno e passava a vida nas compras — tinha mais de 100 pares de sapatos.

Fernande Grudet publicou um livro em 1994, chamado “Madam”. Descrevia-se como “aristocrata” e uma heroína de guerra, uma guerreira ao serviço da resistance, que pagou o preço ao ser enviada para um campo de concentração nazi. Um programa da televisão francesa negaria a versão de Claude. Taki, no entanto, colocar-se-ia do seu lado, alertando que ela era judia: “Eu vi a tatuagem. (…) Ela tinha orgulho por ter sobrevivido. Falámos horas sobre o campo. Era ainda mais fascinante do que as miúdas.” Patrick Terrail, o proprietário da Ma Maison, um espaço onde a alta sociedade se encontrava e tinha festas, onde a própria Claude explorava o seu negócio, revelou que também ele chegou a ver a tatuagem: “Ela tinha o número do campo tatuado no seu pulso. Eu vi-o.”

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Puxando a fita à frente, o declínio acabaria por bater à porta. Quando Valéry Giscard d’Estaign ganhou a presidência de França, em 1974, prometeu um combate feroz à prostituição de luxo, recorrendo a ações judiciais contra Madame Claude e outras proxenetas francesas. O que fez ela? Pegou, como já vimos, no dinheiro e fugiu para Los Angeles.

Nos Estados Unidos, Claude chegou a ser presa pelos serviços de imigração, por problemas com o visto, razão pela qual até teve de casar com um barman gay. “O número da prisão era 888, que era de boa sorte na China, mas não na Califórnia”, revelou Sylvette Balland. A grande amiga de Claude contou ainda a Stadiem que ela nem nessa situação deixou de trabalhar, acabando por recrutar uma mexicana bonita, com quem partilhava a cela.

Após a libertação, voltou a Paris. Tentou trabalhar em vendas, mas a coisa não correu bem. “A sua atitude não era a de que o cliente tem sempre razão, mas sim que o cliente era sempre gordo”, escreve Stadiem na Vanity Fair. A vida de antigamente voltaria à ordem do dia. Seria por isso que voltaria a ser presa, quando Martine Monteil, responsável pela brigada anti-proxenetismo e uma menina rejeitada por Claude, conseguiram levá-la à justiça, em 1992. Bom, ou mais ou menos: Claude esteve presa seis meses à espera de julgamento, que nunca aconteceria. Seria libertada sem mais acusações.

Madame Claude acabaria por mudar-se para o sul de França, onde ficaria até aos últimos dias da sua vida. “Perdemos contacto quando ela regressou a França, em 1985, quando negociou [o regresso] com as autoridades francesas”, conta Stadiem, alguém que desmontou a lenda de Fernande Grudet, a madame das madames.