O parlamento dinamarquês aprovou esta terça-feira por larga maioria a polémica resolução que prevê o confisco dos bens dos refugiados que procuram asilo no país.
Depois de cerca de quatro horas de debate, a polémica alteração legislativa – que prevê a apreensão de dinheiro acima das 10.000 coroas dinamarquesas (1.340 euros) e de bens pessoais acima da mesma quantia, excetuando, “bens de valor sentimental” como alianças e “de natureza prática” como telemóveis ou relógios – foi aprovada por 81 votos a favor e 27 contra, enquanto 70 deputados não participaram na votação.
O governo dinamarquês justifica o confisco com o custo que a estadia dos refugiados tem para o Estado. E afirma que as regras serão as mesmas face às aplicadas aos cidadãos do próprio país, que são também obrigados a entregar as suas poupanças ao governo, antes de terem direito a receber apoio estatais.
O tratamento, contudo, não é exatamente o mesmo, como confirma ao The Guardin um professor universitário dinamarquês, Klaus Petersen: isto porque os cidadãos dinamarqueses, embora tendo de entregar as suas poupanças, não são obrigados a entregar os seus bens pessoais.
O confisco de valores é a mais contestada das novas medidas, comparada por vezes à espoliação dos judeus pelo regime nazi, mas a legislação inclui também a perda de direitos sociais e disposições que dificultam a obtenção de autorização de residência e os processos de reunificação familiar.
A reforma, apresentada em dezembro, foi proposta pelo partido anti-imigração Partido do Povo Dinamarquês, aliado do governo minoritário de Lars Lokke Rasmussen.
Eurodeputado do PSD: “A Europa comum não se contrói assim”
O eurodeputado português Carlos Coelho, membro do PSD e do Grupo do Partido Popular Europeu (grupo político de centro-direita do Parlamento Europeu), afirmou em comunicado à imprensa lamentar “a decisão que foi aprovada no Parlamento Dinamarquês que prevê o confisco de bens e de dinheiro de refugiados”. “Espero que a Comissão Europeia seja rigorosa na avaliação da sua conformidade com o Direito Comunitário e o Direito Internacional”, acrescentou.
O Social-democrata sublinhou que “os Estados-Membros deveriam estar mais preocupados em contribuir para a adopção e a implementação de medidas europeias, de soluções conjuntas. Medidas nacionais não resolvem esta crise e afectam, ainda mais, o Espaço Schengen“.
Carlos Coelho concluiu reiterando que “a Europa precisa de mais eficácia e solidariedade. Estas medidas parecem ter como único objectivo dissuadir os refugiados de procurar asilo na Dinamarca. Ou seja, trata-se de “empurrar” para os vizinhos aqueles que fogem da guerra e da violência. A Europa comum não se constrói assim.”
O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) criticou o diploma, que disse alimentar “o medo e a xenofobia”, e diversas outras organizações internacionais consideraram sobretudo alarmantes as restrições impostas às condições de permanência e ao reagrupamento familiar, que só poderá ser pedido ao fim de três anos pelos candidatos a asilo que não tenham o estatuto de refugiado.
Para a diretora-adjunta da Amnistia Internacional para a Europa, Gauri van Gulik, a medida “é discriminatória” para uma categoria de migrantes já especialmente vulnerável e, para o comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Nils Muiznieks, ela levanta questões “de compatibilidade” com a Convenção Europeia de Direitos Humanos, que protege o direito à família.
As críticas vieram também da parte da oposição ao governo de centro-direita do país. Uma porta-voz do partido de esquerda radical dinamarquesa Enhedslisten, Pernille Skipper, descreveu o tratamento dado aos refugiados, “que fogem de crimes em massa, da guerra e de violações” (lembrou), como moralmente “horrível”. “Como é que os tratamos? Tiramos-lhe as jóias”, lamentou-se Skipper, em declarações reproduzidas pelo jornal inglês.
Em 2015, a Dinamarca aceitou receber cerca de 20 mil requerentes de asilo – perto de 2% da totalidade dos refugiados que chegaram à Europa no ano passado.