A suspensão do apoio financeiro a Moçambique por parte do grupo internacional de doadores — que está sob presidência portuguesa — foi um dos principais temas da reunião, esta quarta-feira, entre o Presidente da República português, em visita àquele país lusófono, e o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi.

O encadeamento de factos é sensível, mas foi este o cenário da reunião entre os presidentes dos dois países, esta terça-feira. Houve declarações de amizade, garantias de colaboração e de esclarecimento junto de outros parceiros, mas não uma solução para desbloquear o cancelamento dos apoios a Moçambique — que caiu de forma imprevista no meio desta visita. Os dois Presidentes falaram do “papel importante” que assume Portugal “no esclarecimento daquilo que está em causa” junto dos outros parceiros internacionais.

“É aí que há uma atuação, mesmo quando discreta, amiga e constante da parte de Portugal”, garantiu Marcelo Rebelo de Sousa. Mas a pergunta sobre a suspensão do apoio foi feita a Filipe Nyusi na conferência de imprensa com os jornalistas na Presidência da República Moçambicana, com o chefe de Estado anfitrião a preferir que fosse o português a responder primeiro. Neste jogo do empurra em relação ao ponto mais delicado entre os dois países, Marcelo começou por sublinhar tratar-se “não de uma paragem definitiva, mas da suspensão” dos apoios. “E isso faz toda a diferença, haver um não duradouro e definitivo ou ser uma mera suspensão para esclarecimento de situações”.

Mas também não adiantou muito mais sobre o que se passará no futuro. Nem disse de que depende o levantamento dessa suspensão, dizendo que “um amigo deve sublinhar o que há de positivo”. Por isso, partiu para o elogio à atitude do Governo moçambicano em admitir a ocultação da dívida nas contas públicas moçambicanas e até comungou da comparação estabelecida por Nyusi, para explicar a situação, com uma das doenças que mais afeta o país, a malária.

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“É como chegar a casa e ver que há malária. O que tem de se procurar é saber por que há malária” e “desinfetar a casa”, diz o presidente moçambicano para explicar que o que o Governo está a fazer é “saber que tipo de dívida é” esta que foi contraída no tempo do anterior Governo. “Quando se herda um ciclo, não herdamos para dizer que as decisões tomadas são todas elas más. Herdámos a dívida de Cahora Bassa, era muito grande, podíamos ter dito que ainda era do tempo do colonialismo, mas não o fizemos”. Ao lado estava o “amigo pessoal”, Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da República portuguesa que é também filho de um antigo governador-geral de Moçambique: aquele que fez avançar o projeto da barragem.

Com o exemplo próximo (e delicado, num homem que Marcelo descreve como não tendo papas na língua), Nyussi tentava sensibilizar para o fato de as decisões não terem sido do tempo do seu mandato como Presidente (ainda que tenham sido do tempo em que foi ministro da Defesa, já que fazia parte do anterior Governo), mas também dar garantias que Moçambique está a fazer o que as instituições internacionais pedem. Esclarecer o surgimento da dívida e limpar o problema. E voltou à malária: “Se vamos desinfetar a casa, tirar mosquitos e retomar a vida normal, não haverá doadores que queiram sacrificar os moçambicanos”.

“Uma democracia armada não é recomendável”

O outro ponto que marcou o encontro foi a situação de tensão política, reconhecida por Nyusi mal entrou na sala. Falou dos passeios de Marcelo pelas ruas de Maputo, para mostrar que “não houve nenhum aparato para o proteger”, mas depois também falou do que acontece “na zona centro” onde “muitos moçambicanos saem de casa de manhã e não sabem se regressam à noite”. Não falou na Renamo mas deixou a sua própria síntese da situação de conflito: “Está a matar pessoas porque não aceitou não ter ganho” as eleições gerais de novembro de 2014.

“Gostaríamos de viver num país onde não existem partidos armados, onde discute no parlamento”, disse Nyusi garantindo que essa foi uma conclusão “unânime” do encontro com Portugal: “Uma democracia armada não é recomendável e que tudo o que for preciso ser feito para que Moçambique viva em paz deve ser feito”.

Os jornalistas confrontaram os dois presidentes com a questão e o eventual papel de Portugal na resolução das dissidência entre Frelimo e Renamo, mas Nyusi preferiu não falar em pedidos de ajuda direta. “Estamos a ser aconselhados pela sociedade civil, amigos e vizinhos, isso está acontecer, seja formal ou não”, mantendo a expectativa face a Portugal a uma certa distância: “O que sabemos é que os portugueses estão disponíveis para dar todo o apoio em que Moçambique precisar”. E ponto.

Do lado português, Marcelo ficou pela declaração de amizade que pontuou toda a conferência de imprensa conjunta: “Os amigos são para as ocasiões. Os amigos devem estar disponíveis para ajudar os amigos e só as circunstâncias dirão que tipo de ajuda” pode Portugal prestar e a “e em que momento pode exercitá-la”.

Nos dois pontos, a reunião terminou sem conclusões nos pontos mais quentes. Apenas promessas de amizade, com Nyusi a apontar Marcelo como “amigo de Moçambique, mas também amigo pessoal”. E Marcelo a admitir que a esta é uma “amizade institucional que ganha com o conhecimento reciproco em termos pessoais”.