A frase

Questionado por José Gomes Ferreira, em entrevista à SIC, sobre como o Governo vai arranjar os 210 milhões de euros em “outros impostos” e como vai cortar 100 milhões em prestações sociais, tal como está previsto no documento entregue a Bruxelas, anexo ao Programa de Estabilidade, com as previsões para 2017-2020, Costa respondeu:

“Este é um documento que nós preparámos para a Comissão Europeia, que nos foi solicitado, para ser aplicado no caso de a execução vir a revelar riscos na sua execução. Felizmente a execução orçamental não está a revelar esses riscos…”

— “Então quer dizer que as medidas podem ser aplicadas já em 2016?”

“Claro (…). Esse quadro, como já foi explicado na AR, era um documento de trabalho que discriminava o conjunto de medidas que constam do Programa de Estabilidade, explicitando que os números que ali estavam resultavam de um conjunto de medidas. No que diz respeito a 2016, como se recorda, foi muito discutido se vai haver plano B… Aquilo que a Comissão Europeia nos exigiu foi que, no caso de a execução orçamental de 2016 não correr bem, termos de adotar novas medidas”.

A tese

Haver ou não haver Plano B (alternativo ao OE 2016) sempre foi a grande questão pós Orçamento. A posição oficial do Governo tem sido sempre de negar a existência de um plano B, porque o A vai ser cumprido. Mário Centeno disse mesmo, logo depois de o Programa de Estabilidade ter sido fechado e discutido no Parlamento, que “o plano B do Governo é executar o plano A de forma muito rigorosa”.

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A questão voltou a surgir há duas semanas, quando o primeiro-ministro foi questionado no Parlamento pelo líder parlamentar do PSD sobre a existência de um “plano B” ou de um “anexo secreto ao Programa de Estabilidade” com um plano de contingência entregue em Bruxelas a ser aplicado caso necessário. Na resposta a Luís Montenegro, Costa disse que o tal “anexo secreto” que o deputado se estaria a referir era um documento que foi entregue em Bruxelas a par do Programa de Estabilidade com a descriminação das medidas que o Governo tenciona tomar nos próximos anos (2017-2020) e os respetivos impactos. O primeiro-ministro entregou na altura uma cópia do anexo aos deputados, mas reforçou que era “simplesmente relativo a 2017, 2018, 2019 e 2020″, e que “não havia nada secreto, nem nenhum plano para 2016”.

“Estamos a executar o Orçamento. E nada nos convida para um plano B, C ou outro”, disse na altura em reposta a Montenegro, reiterando que não existiam medidas adicionais previstas: “Não temos aumentos de impostos, nem esses cortes das prestações sociais”, disse. Aos jornalistas, depois do debate, voltaria a reforçar: “Este programa não é um plano de contingência”, lembrando que a tabela entregue em Bruxelas se refere às estimativas e impactos para o futuro, e não a qualquer plano B alternativo às contas previstas, e já orçamentadas, para este ano.

Agora, na entrevista que deu esta quarta-feira à SIC, António Costa deu a entender que o tal documento pedido pela Comissão Europeia — para ser aplicado apenas e só se a execução orçamental derrapar –, prevê medidas que podem ser aplicadas já em 2016, caso se verifique essa derrapagem (o que, na opinião do Governo, não deverá acontecer).

Os factos

Até ao momento, o Governo ainda não revelou o conjunto de medidas que poderão vir a ser aplicadas este ano, caso a execução orçamental se desvie da meta do défice (2,2% do PIB). A preparação deste conjunto de medidas de contingência — que ficou conhecido como o Plano B — foi exigida pela Comissão Europeia, com o argumento de que as medidas previstas no Orçamento do Estado para 2016 não são suficientes para cumprir as metas orçamentais a que o país se propõe.

Há um momento na entrevista em que o jornalista José Gomes Ferreira e o primeiro-ministro António Costa parecem falar de coisas diferentes. Gomes Ferreira começa por se referir a medidas inscritas num quadro com o horizonte temporal de 2017 a 2020, mas o primeiro-ministro responde-lhe com referência a este ano. A conversa prossegue com Costa a referir-se ao documento exibido pelo jornalista como se este incluísse informação referente a 2016.

O quadro que está em cima da mesa durante a entrevista inclui a previsão de receita adicional no valor de 210 milhões de euros em 2017, numa rubrica identificada como “Outros impostos”. Também inclui para o próximo ano uma previsão de poupança de 100 milhões de euros nos gastos com prestações sociais. Estas medidas identificadas no quadro não estão detalhadas qualitativamente no Programa de Estabilidade.

Apesar de o quadro exibido por Gomes Ferreira não se referir a 2016, Costa acaba por assumir durante a entrevista que se a execução orçamental deste ano derrapar, o Governo aplica um Plano B com medidas adicionais.

A explicação

António Costa é um político hábil, mas desta vez não foi hábil na resposta nem claro nas palavras. Apesar de ter passado a ideia de que as medidas do documento mostrado por José Gomes Ferreira eram para aplicar em 2016, o gabinete do primeiro-ministro negou ao Observador que fosse essa a intenção da resposta. Segundo São Bento, mantém-se o que Costa disse no Parlamento a 28 de abril:

As medidas que constam do citado anexo referem-se somente a um detalhar das medidas contidas no Programa de Estabilidade para aplicar no período 2017-2020. Relativamente às medidas de contingência para 2016 o Governo já assumiu o compromisso de tomar medidas se e quando for necessário mas considera que neste momento face à execução tal não se justifica. O Governo reforçou aliás o controlo da execução do orçamento de 2016, em vigor, por via das cativações estabelecidas no Decreto-Lei de execução orçamental.”

Diagnóstico: enganador

António Costa assumiu na SIC que podia ter de aplicar medidas adicionais em 2016 se a execução orçamental falhasse. No entanto, não foi explícito a dizer que não eram as medidas que constavam no documento apresentado pelo jornalista e deu a entender que aquele era o tão falado Plano B. Passou a ideia de que poderia executar já em 2016 as medidas de austeridade que só seriam aplicadas nos anos seguintes. E agora foi obrigado a dar explicações para clarificar o que tinha dito, um tema que deve ser recuperado no debate quinzenal desta sexta-feira.