“O aviso à navegação é este: se insistirmos em pôr a ideologia à frente da realidade, acabaremos a produzir ilusões e não a fazer o nosso primeiro dever: melhorar, na medida do possível, as políticas viáveis para as pessoas em concreto” — as palavras são de Paulo Portas, o ex-líder carismático do CDS-PP, que fez esta quinta-feira o seu último discurso como deputado na Assembleia da República.

Paulo Portas despediu-se do Parlamento com agradecimentos a todos — desde os deputados, aos funcionários e até aos jornalistas — mas fez também questão de deixar vários alertas e críticas ao Governo. Pediu que “as questões complexas” que Portugal enfrenta sejam abordadas “sem demagogia” e que se evite a “ladainha dos direitos adquiridos”.

O ex-líder do CDS fez questão de abordar tanto problemas de fundo da economia portuguesa, como os temas que têm aquecido o debate político nas últimas semanas. O ponto de partida foi o envelhecimento ativo, o tema que estava em discussão no plenário, e serviu para frisar que os progressos não se fazem “com a cultura do protesto”, mas sim com a “cultura do compromisso”.

De caminho, Paulo Portas colocou em causa que a Segurança Social possa continuar a ser mantida no atual sistema de repartição, isto é, aquele em que as contribuições dos trabalhadores que estão hoje no ativo servem para pagar as pensões dos reformados de hoje. E depois de deixar a pergunta, avançou uma resposta: a opção deverá ser a de “políticas de contratualização com quem está no terreno, para quem está no terreno”.

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Os erros que cometermos nestes pontos fundamentais pagam-se caros, tanto no emprego dos mais novos, como na tranquilidade dos mais velhos”, avisou Portas.

O discurso de despedida do democrata-cristão passou depois para uma série de críticas sobre polémicas da atualidade: questionou “que sentido faz” que “no Estado e só no Estado” se garanta um horário de 35 horas semanais; perguntou se “faz algum sentido” que o acordo atingido entre os operadores do Porto de Lisboa e os estivadores tenha incluído uma proibição de contratação a uma das empresas fornecedoras de mão-de-obra, permitindo que “os sindicatos capturem o crescimento”; criticou a falta de flexibilidade no mercado de trabalho, argumentando que esta condena os países europeus ao desemprego, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, onde há “pleno emprego”.

Prometer ‘tudo a todos e para toda a vida’ é correr o elevado risco de mentir, mesmo sem intenção”, garantiu Portas.

No final do discurso, já com a voz embargada, Paulo Portas deixou “a todos, sem distinção, colegas de bancada, parceiros de governo, adversários políticos, funcionários diligentes, aos jornalistas pelo sentido crítico, um obrigado.” E rematou: “Deixo aqui amigos em todas as bancadas e, tanto quanto tenho consciência, inimigos não os fiz.”

O democrata-cristão desceu da tribuna de lágrimas nos olhos e foi aplaudido de pé por todos os deputados das bancadas do PSD e do CDS. Os socialistas aplaudiram-no sentados e alguns deputados bloquistas e comunistas também bateram palmas ao ex-líder dos centristas.

Agradecimentos retribuídos e um ‘até já’

O primeiro a retribuir o agradecimento foi o presidente da Assembleia da República. Ferro Rodrigues notou que Paulo Portas foi capaz de, “em diversos momentos, contrariar circunstâncias adversas” e deu como exemplo a sua capacidade de consolidação do partido no início dos anos 90, quando este “parecia estar a definhar”. Depois, lembrou os “famosos soundbites, feitos de bom português e de muito eficaz português”.

Seguiram-se palavras de despedida de deputados de todas as bancadas: Luís Montenegro, que agradeceu pelos sociais-democratas; Jorge Lacão, socialista, que sublinhou a importância de serem ambos democratas; Pedro Filipe Soares, pelos bloquistas, que notou que a despedida era do “deputado Paulo Portas” e não do político; o comunista João Oliveira, que não resistiu à referência da “irrevogabilidade das decisões”, numa alusão à demissão “irrevogável” de Paulo Portas do anterior Governo, que terminou com a sua promoção a vice-primeiro-ministro de Pedro Passos Coelho. José Luís Ferreira, do PCP, também agradeceu.

Por fim, Nuno Magalhães, líder da bancada parlamentar do CDS, que louvou a sua “capacidade de trabalho e sentido de humor”, disse-lhe um sentido “muito obrigado”.

O discurso de despedida de Paulo Portas gozou de um elemento surpresa. Paulo Portas deixou a liderança do CDS a 13 de março, tendo desde logo revelado a decisão de sair também do Parlamento. A primeira data que tinha sido apontada para a sua saída seria pela ocasião do 25 de abril, mas acabou por não se confirmar. Desde então, o ex-líder centrista deixou que se criasse um mistério sobre quando concretizaria a sua intenção de deixar de ser deputado.

Será agora substituído por Filipe Anacoreta Correia, rosto do Movimento Alternativa e Responsabilidade, a única corrente interna organizada, crítica da liderança de Paulo Portas.