Aconteceu outra vez: estava ansiosamente à espera do único comboio que o poderia fazer chegar a horas àquela reunião importante, quando o chefe da estação anunciou que estava atrasado. Quantas vezes terá desejado que os transportes públicos circulassem dentro dos horários? Conseguir ter os comboios a cumprir os horários é o desafio do projeto RobustRails, a decorrer na Dinamarca, e Hugo Macedo faz parte do grupo que tem a segurança como preocupação principal.

Criar novos sistemas de sinalização, tornar as comunicações mais robustas e implementar sistemas de verificação, são as principais missões do projeto conduzido pela Universidade Técnica da Dinamarca. É preciso garantir que os comboios não viajam a uma velocidade superior à que é admitida naquele troço, mas também que não existem riscos de colisão entre dois comboios ou de descarrilamento na mudança de linha. Outra das missões é desenhar modelos que analisem os fluxos de passageiros para perceber se as mudanças foram eficazes.

“Na Dinamarca, vai mudar-se do paradigma em que um sinal num semáforo diz ao maquinista para avançar ou não na ferrovia, para um processo que transforma [essa informação] num sinal virtual que vai aparecer no ecrã do computador do maquinista”, explica Hugo Macedo ao Observador. “Isto levanta um problema: as pessoas não confiam muito nos sistemas de computação – todos nós já tivemos algum percalço com eles. Por isso existe uma necessidade de fazer verificação destes sistemas.” E foi neste sistema de verificação que o investigador português esteve a trabalhar nos últimos meses.

“O projeto tem sido muito bem-sucedido, porque, de toda a investigação que se faz nesta área, esta equipa é aquela que consegue fazer a verificação de linhas de maior dimensão – temos um exemplo de uma linha com oito estações, uma delas já bastante complexa.”

Mas como Hugo Macedo, matemático e cientista da computação, se apressa a dizer, tudo isto é ainda investigação: construção de modelos e protótipos, em que se fazem tentativas e estudos e sobre os quais já se escreveram muitas linhas de linguagem matemática. O protótipo, reforça, ainda não foi testado na linha ferroviária propriamente dita.

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“O desenvolvimento destes softwares críticos, requer a utilização de muita matemática, porque nada pode ser deixado ao acaso”, reforça o investigador vimaranense. “Tudo é especificado: qual é o comportamento que a máquina deve ter para todas as situações previstas até ao momento. E sempre que houver uma falha ou se descobrir um erro técnico, há uma revisão de todos esses documentos.” De qualquer forma, ainda que as instruções possam estar codificadas numa máquina e que seja o próprio sistema a entregar a mensagem ao maquinista, todas as decisões são tomadas por humanos – seguindo, as especificações predefinidas.

Um das vertentes de segurança em que a equipa coordenada por David Pisinger trabalha é a garantia de que “não existe a possibilidade de duas rotas conflituantes [que viajam na mesma linha em sentidos diferentes] estarem ao mesmo tempo abertas à passagem de comboios”. Parece um processo simples, mas quanto maior é a rota, mais difícil é conseguir fazer chegar a mensagem em tempo útil. E se o objetivo é também conseguir que os comboios cheguem a horas, o tempo de resposta é um fator importante.

A Matemática ajuda a entender a realidade

“A lógica e as disciplinas de cálculo que requerem muito trabalho de imaginação sempre me seduziram muito”, confessa Hugo Macedo, que completou a licenciatura em Matemática e Ciências da Computação, na Universidade do Minho, em 2007. Como a Matemática o ajuda a materializar o pensamento, também o ajuda a compreender melhor a realidade.

Apesar de gostar do nível de abstração oferecido pela Matemática e de admitir que também gosta da parte teórica da sua área de trabalho, Hugo Macedo tem preferido trabalhos de investigação com aplicação potencial mais imediata. “Sempre gostei mais da parte matemática e de misturar esta parte com a computação.”

Jon Hopcroft (à esquerda), Turing Award 1986, conversa com os jovens investigadores durante uma das pausas da conferência

Jon Hopcroft (à esquerda), Turing Award 1986, conversa com os jovens investigadores durante uma das pausas da conferência – © Heidelberg Laureate Forum Foundation / Flemming­ – 2016

Como projeto final de licenciatura foi-lhe dada a possibilidade de modelar um sistema para aplicar num pacemaker, num laboratório dinamarquês. Mas a ideia de ficar por lá não o seduziu no momento. “A minha experiência foi espetacular, a sociedade é super integrativa, mas havia qualquer coisa, aquela coisa que te diz: ‘Tens de ir a casa, tens de voltar a Portugal.'”

Da Dinamarca voltou a Portugal para terminar a licenciatura e enveredar por um doutoramento na Universidade do Minho. Depois um pós-doutoramento em Paris, na deteção de software malicioso, e outro no Rio de Janeiro, onde fez um trabalho teórico na área da lógica. “Era um dos planos, mas não era o trabalho principal”, conta Hugo Macedo. O que o investigador procurava realmente era “entrar numa parceria com a indústria porque têm desafios matemáticos brilhantes e fortes”. Mas a situação política e económica no Brasil tornou este sonho mais difícil de concretizar.

Agora que se encontra a terminar o pós-doutoramento na Dinamarca, procura um novo local para trabalhar, mas enquanto isso não acontece aproveitou a possibilidade para estar presente no Heidelberg Laureate Forum (HLF), onde o Observador o encontrou. “A experiência está a ser fantástica. Nunca pensei ouvir tanta gente e tantas ideias ao mesmo tempo.”

O Heidelberg Laureate Forum, que decorre entre 18 e 23 de outubro, é uma conferência que pretende reunir investigadores das áreas da Matemática (pura ou aplicada) e das Ciências da Computação. Mas com uma particularidade: estão presentes 200 estudantes e jovens investigadores e alguns dos laureados dos mais importantes prémios destas áreas (Abel Prize, Fields Medal, Turing Award e Nevanlinna Prize), com o objetivo de interagirem uns com os outros. Uma experiência que parece mostrar-se tão gratificante para os jovens investigadores como para os próprios laureados.

O Observador está presente no Heidelberg Laureate Forum a convite da organização do evento.