No início dos anos 1950, Count Bernadotte, neto do rei Gustav V da Suécia, deu início a um tipo particular de encontros: o Lindau Nobel Laureate Forum, que todos os anos junta cerca de 30 a 40 Prémios Nobel numa mesma conferência e convida alunos e jovens investigadores para interagirem com eles.
Estes encontros resultavam tão bem que o físico Klaus Tschira (1940 – 2015) começou, de certa forma, a invejá-los. O fundador da empresa de software alemã SAP e da Fundação Klaus Tschira (criada para apoiar a investigação em Matemática, Ciências da Computação e Ciências Naturais) queria um fórum deste tipo para matemáticos e cientistas da computação.
Assim nasceu o Heidelberg Laureate Forum, que junta laureados dos prémios Abel, Nevanlinna, Turing e da medalha Fields e cerca de duzentos alunos e jovens investigadores de Matemática e Ciências da Computação.
Numa semana de palestras recheadas de conteúdos técnicos, os momentos mais bem aproveitados serão provavelmente as pausas. Não porque se deixe de falar de matemática ou computação, mas porque os jovens investigadores têm oportunidade de estar lado a lado com alguns dos seus ídolos científicos num ambiente completamente informal.
É fácil perceber que os mais jovens estejam entusiasmados com a semana e com o contacto com os 21 laureados que este ano estão presentes, de 18 a 24 de outubro em Heidelberg (Alemanha). Mas mesmo os laureados valorizam o encontro: por um lado, gostam realmente de falar com os investigadores mais jovens e de responder às questões que têm; por outro, este é o único momento em que muitos deles têm oportunidade de se encontrarem. Além disso, quem não iria gostar de visitar Heidelberg?
Uma semana, 21 laureados e 18 palestras científicas
Uma das características mais apreciadas pelos participantes é também uma das que lança mais desafios: o encontro junta matemáticos e cientistas da computação que trabalham em áreas muito distintas. É neste tipo de encontros que esperam encontrar novas ideias que os possam ajudar a pensar de uma forma diferente sobre os trabalhos que realizam. Mas os temas são tão distintos que o que parece informação básica para um cientista pode mostrar-se totalmente encriptada para outro.
Andrew Wiles, laureado com o prémio Abel em 2016, explicou porque é que a resolução do Teorema de Fermat – a sua grande conquista – não tinha sido alcançada antes. Num discurso fluente e bem encadeado enunciou os momentos-chave da resolução do problema, mas, quem não estivesse tão familiarizado com este método matemático, perderia o fio à meada.
Talvez por isso Michael Atiyah, medalha Fields 1966 e prémio Abel 2004, tenha preferido usar a longa experiência para pensar sobre as mudanças que tem sofrido a área da Matemática, a relação com a Física e a influência na Computação, uma área em ascensão.
A apresentação clara e bem-humorada do matemático britânico de 87 anos, encontrou paralelo com a do matemático japonês apenas dois anos mais novo. Heisuke Hironaka, Medalha Fields 1970, tem-se dedicado a estudar singularidades matemáticas, como explicou durante a palestra. E nem mesmo a “tecnologia” díspar impediu a audiência de apreciar uma boa apresentação.
How refreshing to see #FieldsMedal laureate (1970) Prof Hironaka presenting handwritten slides with an idle Mac sitting nearby! #HLF16 pic.twitter.com/Vfwe2Fm2P8
— Thomas Zurek ????️ @tfxz@mastodon.scot (@tfxz) September 23, 2016
As Ciências da Computação, embora tenham por base a Matemática, são uma área muito distinta da investigação. E muito mais recente. Tão recente que, em 1968, Barbara Liskov (prémio Turing 2008) foi uma das primeiras mulheres a completar um doutoramento nesta área. Mas a academia ainda não estava preparada para aceitar uma mulher nas carreiras de investigação.
A única laureada presente no fórum deste ano, e uma das três únicas mulheres laureadas com o prémio Turing, escolheu percorrer a história da computação, aproveitando para acusar os programadores de ignorarem o bom trabalho que já se fazia nos anos 1970.
Embora jovem, esta área de investigação tem avançado rapidamente, deixando os cientistas a braços com uma área de investigação que ainda tem poucos registos. Mas nem por isso menos alcance. Basta pensar no potencial da Inteligência Artificial – escolhida como tema de debate para este ano -, que levanta questões legais, sobre segurança e mesmo ligadas à capacidade tecnológica, que só agora se começa a pensar.
Will we look back on the evolution of AI & wish we'd set it up better from the start?@NoelSharkey #HLF16https://t.co/3k2byZcZVf
— Elna Schutz (@elna_s) September 22, 2016
Será que os robôs nos vão dominar um dia? Há quem receie que sim, outros investigadores lembram que ganhar um jogo de xadrez não é o mesmo que ser completamente independente. Ainda assim, as máquinas têm ganho cada vez mais capacidades, em particular na área da aprendizagem – podem aprender “sozinhas” (deep learning), ter aprendizagens mais profundas e que podem ser modificadas ao longo do tempo consoante as situações com as quais uma máquina se vê confrontada. Esta é a área de investigação à qual John Hopcroft, prémio Turing 1986, se tem dedicado.
No meio destas viagens entre as áreas mais aplicadas e as mais teóricas, houve também lugar para outras aplicações da Matemática e Ciências da Computação, nomeadamente na área da astrofísica. Brian Schmidt, prémio Nobel da Física 2011, falou sobre a expansão acelerada do universo. Já Volker Springel apresentou um modelo que pretende simular as galáxias do universo e que exigiu muitas equações matemáticas e muita capacidade de computação.
A organização do Heidelberg Laureate Forum disponibilizou todas as palestras no canal oficial do Youtube (pode encontrá-las aqui).
O Observador está presente no Heidelberg Laureate Forum a convite da organização do evento.